Num primeiro momento, pode até parecer que esse assunto esteja batido e que você lerá mais do mesmo. No entanto, gostaria de divagar um pouco nessa temática por um viés um tanto diferente. Nada de condenar à morte as mídias sociais. Eu as utilizo e gosto muito dessa ferramenta. O foco aqui está em observar e alertar para o fato de que esse é um assunto sério e que merece uma análise crítica.
Este texto tem como embasamento estudos realizados pela Royal Society for Public Health, em parceria com a Universidade de Cambridge. O estudo faz parte de uma abordagem orientada pelos pares para aumentar a conscientização de saúde pública entre os jovens – é o Young Health Movement. Além disso, pesquisas em outros artigos científicos e conversas informais com pais, professores, psiquiatras, psicólogos e filósofos me ajudaram a pensar sobre esse tema.
Fato inconteste é que por meio das mídias sociais há uma disseminação da falsa ideia de vida perfeita, uma vez que as publicações, na esmagadora maioria das vezes, retratam apenas bons momentos do dia das pessoas – fotos com corpos perfeitos, pratos apetitosos, viagens incríveis, roupas maravilhosas, posições complicadas de yoga, festas e por aí vai.
Raras são as fotos com um ângulo que desfavoreça ou de uma receita que não tenha dado certo, ou, ainda, de uma frase que expresse algum erro ou fracasso do dia de alguém, uma ferida purulenta, um dente torto, uma gafe. Pudera! Quem faz propaganda contrária de si?
É, parece um tanto óbvio e pode soar inofensivo, mas o complicado é que tudo isso desemboca num ideal falso de vida perfeita que acarreta a sensação de frustração de quem vê. Até aí nenhuma novidade dentro da história humana porque é aquela velha máxima: “a grama do vizinho é sempre mais verde”, só que agora num aspecto mais virtual e abrangente.
É que o outro parece ter uma vida perfeita, enquanto você se sente um derrotado porque não viaja tanto quanto ele, não tem a beleza dele, não janta nos lugares incríveis em que ele publica, não perde 30kg em duas semanas, não e não. Disso você conclui que é um fracassado.
Contudo, o ponto aqui não é esse. Essa é apenas uma constatação, bem óbvia, aliás. O ponto deste texto é que isso é bem sério e que merece certo zelo de cada um – do poder público, dos profissionais de saúde e, principalmente, de pais ou responsáveis pela educação de crianças e adolescentes.
Chamo a atenção para esse nicho infanto-juvenil porque, em tese, eles não têm o discernimento necessário para enfrentar situações como essas porque, muitas vezes, lhes falta uma visão crítica, um questionamento das informações que recebem.
Observe-se que já é difícil para um adulto tratar essa questão, uma vez que é bem elevado o número de pessoas que se sentem deprimidas ou melancólicas por observarem o comportamento do outro nas mídias sociais e se compararem com essa vida perfeita. Os terapeutas têm atendido muita gente com problemas sérios de aceitação, ansiedade, autocrítica em demasia, cobrança excessiva e insatisfação generalizada.
É verdade que essas questões também acompanham a humanidade há tempos, mas as mídias sociais acentuam esse problema de maneira exponencial. Elas alargam a gama de atingidos por tais conflitos internos e fortalecem paradigmas de cobrança social – ideais de beleza inatingíveis, patamar financeiro elevado, estabilidade de emprego, relacionamentos perfeitos, realização pessoal – sucesso!
Sabe-se que não é bem assim que a coisa funciona. Todas as pessoas têm coisas boas e ruins no seu dia-a-dia. Todo mundo tem algum problema para resolver, alguma insatisfação, algo que não saiu como o planejado ou algum erro que tenha cometido. Pequenos fracassos, derrotas básicas da vida, perdas e embaraços. E, sim, isso eu creio que possa audaciosamente generalizar – todo mundo tem!
Então, voltemos ao ponto desse texto: Cautela ao participar das redes sociais! Elas são, sem dúvidas, excelentes ferramentas comerciais, de entretenimento, de conexão interpessoal, de troca, de divulgação de talentos, etc.
No entanto, é preciso o uso consciente com o devido discernimento quanto ao que se recebe de informação do outro e, acima de tudo, presença efetiva de pais ou responsáveis por crianças e adolescentes que acessam essas mídias, a fim de alertá-las, educá-las, ampará-las e protegê-las.
Pode até parecer irrelevante, mas – acredite – não é! As redes sociais têm seu lado bom, óbvio, mas também têm contribuindo negativamente na saúde mental das pessoas. Há inúmeros casos de depressão e fobia social em função dessa sensação de fracasso e comparação excessiva e equivocada e há casos mais sérios que terminam em suicídio.
Não, não é exagero… É fato! Vale também dar uma olhada em estudos e cartilhas da OMS (Organização Mundial de Saúde) na área de prevenção ao suicídio, principalmente infanto-juvenis. Há sérias conseqüências para quem absorve esse conteúdo sem ter a devida percepção e certo filtro pessoal para não internalizar uma ideia equivocada de sucesso pessoal, vida perfeita e padrões sociais (inatingíveis).
Que fique o alerta ou o apelo! A necessidade de políticas públicas que abordem essa temática, juntamente com a conscientização do uso adequado e educação dos usuários quanto ao questionamento do que se recebe são imperiosas. Que fique a possibilidade de se olhar com carinho para essa questão – tanto quanto às crianças, adolescentes e jovens, quanto a cada um, porque acabamos por introjetar essa ideia, de maneira automática, mas, muitas vezes, com conseqüências indesejáveis.
Vale a reflexão… Para quem considera isso exagero, vale se informar um pouco sobre dados de saúde mental que muitas vezes culminam em mortes catapultadas por esse fenômeno. Para quem se interessar há vários artigos científicos a respeito. Também se pode abrir um diálogo em casa, com os amigos, no trabalho. Às vezes alguém ao seu lado precisa de ajuda… Às vezes você – ou eu! Bem, quanto a mim, procuro me questionar muito e já evoluí bastante nessa área!
Usemos as redes sociais com fins positivos e agregadores. Menos cobrança, mais aceitação. A verdade é que penso assim: na pior das hipóteses, se essa vida virtual tão maravilhosa for real – então menos inveja ou comparação e mais admiração e senso crítico!
Até porque as vidas virtualmente compartilhadas não são de todo mentirosas, posto que, na maioria das vezes são uma parcela real da história – mas é uma visão editada do todo. Assim, pode até ser que sejam reais, mas estão longe de serem vidas perfeitas e isso precisa ficar claro para quem absorve essa informação.
Algumas referências:
https://www.rsph.org.uk/our-work/campaigns/status-of-mind.html
https://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1647-21602017000100003
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/19/tecnologia/1495189858_566160.htm
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