O desenvolvimento tecnológico que se desencadeou nas últimas décadas trouxe benefícios inegáveis para a sociedade, seja no campo científico, seja no campo das tecnologias da informação, em que por meio da internet é possível estar conectado ininterruptamente a uma rede enorme de pessoas e informações, possibilitando desde conversações triviais até a organização de movimentos políticos populares. No entanto, em que medida, de fato, temos nos fortalecido enquanto sujeitos humanos e solidificado/aperfeiçoado as instituições que criamos para organizar a vida em sociedade?

Quando se entra nessa discussão, é muito fácil recair em lugares comuns ou extremos, já que tanto para o bem quanto para o mal, as novas tecnologias possuem uma capacidade enorme de dimensionar as coisas. Desse modo, é preciso haver uma análise crítica da problemática, a fim de que se possa realmente traçar um panorama da situação.

Hoje, é possível a qualquer pessoa com um smartphone e acesso à internet conseguir praticamente qualquer informação. Entretanto, quantos utilizam a rede mundial de computadores e todo o aparato tecnológico de que dispomos para construir um pensamento crítico, para fortalecer o próprio conhecimento, para ser um sujeito melhor individual e socialmente?

O fato de estarmos “conectados” o tempo inteiro por si só não significa que estamos utilizando a tecnologia como uma ferramenta de aperfeiçoamento individual e coletivo. Aliás, como um evento isolado não significa absolutamente nada. Apenas, que as nossas vidas reais estão cada vez mais ligadas a uma vida virtual. Ou seja, que o espaço entre uma e outra está paulatinamente diminuindo. Mas, o uso da tecnologia por si só não implica uma sociedade melhor, em pessoas mais felizes, em instituições sociais mais legítimas. É necessário que haja um sentido no uso que fazemos da tecnologia, a fim de que possamos controlá-la e utilizá-la para o fortalecimento da condição humana.

Diante disso, eis que surge a pergunta de um milhão de dólares: os problemas, em tese, ocasionados pelas novas tecnologias, não seriam problemas inerentes a elas, mas ao uso que nós humanos fazemos delas? Sim, mas não é tão simples.

É claro que nós possuímos a capacidade e, portanto, a responsabilidade pelo uso que fazemos da tecnologia, de tal maneira que se a utilizássemos de outra forma, poderíamos estar em uma situação muito melhor. Entretanto, as tecnologias são construídas por pessoas e podem ser utilizadas como instrumentos de poder. Logo, possuem uma estruturação que fortalece muito mais o seu uso alienado e servil, do que como um instrumento de libertação.

Em outras palavras, as tecnologias são instrumentos de poder e, como todo instrumento de poder, podem ser bem ou mal-empregados. Como o poder político e econômico é extremamente concentrado, há de se considerar que as formas de poder ligadas às novas tecnologias, sobretudo no que tange à informação e à comunicação, também são controladas pelos mesmos grupos minoritários de pessoas. Isso permite o seu uso como um instrumento de manutenção do status quo e, lembrando George Orwell, como toda sociedade hierárquica só é possível na base da pobreza e da ignorância, é preciso que aquilo que chegue até as pessoas, aquilo que exploda em seus olhos, tenha como única função cegá-las, para que elas não consigam perceber a realidade que as cerca e os muros que habitam suas mentes.

Dessa forma, cria-se uma ditadura com muros invisíveis, em que a tecnologia é instituída e empregada para fortalecer a tirania, a cegueira e a servidão, em detrimento da autonomia individual e do fortalecimento da democracia. Cria-se, portanto, uma ditadura científica, em que as marionetes incessantemente buscam realimentar os seus tiranos, consumindo milhares de informações que as deixem entorpecidas, ao mesmo tempo em que fornecem dados para que a vigilância e a punição aconteçam sempre que alguém decida romper com as amarras que o oprimem.

Embora o caos da sociedade líquida que nos constitui seja uma evidência de que o potencial positivo das novas tecnologias nem de longe tem se concretizado, devemos compreender que, ainda que pequenos, há frestas de luz capazes de nos guiar para fora da escuridão da ditadura que ironicamente ao informar, desinforma; e ao libertar, controla. Há de se ter, então, coragem para ter os olhos invadidos pela luz e enxergar as cordas. E mais coragem ainda para que, ao enxergá-las, possamos destruí-las.