“Sextou”! É hora de ir pra balada e esquecer os problemas. É hora de fugir das dores e da vidinha medíocre. É hora de esquecer o quão chata e cansativa foi a interminável semana. É hora de embriagar as angústias e colocar os sonhos para dormir, pelo menos até segunda-feira.
O indivíduo contemporâneo autossuficiente e cheio de si, o qual acredita ser mais feliz e ter mais sucesso do que seus pais ou avós, curiosamente, tem uma vida muito mais mecanizada do que seus antepassados. Isto é, a vida tem sido delegada para qualquer meio que o entorpeça e o faça fugir da realidade, muito embora, se achem autossuficientes. Deve ser mais um dos paradoxos da vida moderna como dizia Milton Santos.
A vida, na maior parte do tempo, não faz sentido para as pessoas. Estas se relacionam com o tempo de forma conturbada, de modo que não existe valor algum em uma terça-feira. Ou seja, as suas rotinas são insuportáveis e tão cansativas que as fazem odiar a sua própria vida. Ora, como assim a própria vida? Sim, a própria vida, pois a vida não se circunscreve ao fim de semana.
Desse modo, o desprazer que as pessoas sentem em relação à vida relaciona-se a si mesmas e o modo como encaram esse problema. A grande questão é que nem todos (ou quase ninguém) querem encarar o cerne do problema, uma vez que perceberiam o tamanho da complexidade e o quanto são responsáveis por isso. Assim, preferem delegar sua felicidade às baladas e bebidas, pois são incapazes de encarar a que pé anda sua vida.
No entanto, ainda que o fim de semana seja o recanto da “felicidade”, este por si só não faz suportar o inferno semanal. Sendo assim, tratamos de medicalizar o problema, de modo que tomamos remédio para acordar, para ter disposição, para ter mais atenção, para não ter mau humor, para comer, para emagrecer, para nos deixar mais agitados, para nos deixar calmos, para tranquilizar, para dormir, etc.
Como o problema é crônico, nos tornamos dependentes das pílulas da felicidade, que nos garante sobrevida até o oceano de prazeres do fim de semana, em que seremos infinitamente felizes se vestindo, comendo, bebendo, ouvindo, falando e fazendo exatamente as mesmas coisas que qualquer outro indivíduo (esperto, lógico) faz.
Entretanto, não consigo encontrar a felicidade em um sistema que mecaniza e medicaliza totalmente a vida, retira toda subjetividade do ser e transforma a maior parte da vida em algo insuportável. Não há problema algum em ir pra balada, sair com os amigos ou tomar um chope, desde que seja feito por vontade própria e não se torne algo mecânico como o seu trabalho, o qual julga intragável.
Como é mais fácil fazer da vida uma grande linha de produção, em que você é um operário sem o menor poder questionador, a vida passa sem que você tenha controle algum, sendo apenas um autômato controlado por algo externo. Submetidos aos interesses daqueles que querem que você seja apenas mais uma peça que faz a engrenagem funcionar, temos nos esquecido que somos mais do que marionetes produzidas em série.
Podemos ter doses diárias de felicidade, se fizermos algo que nos proporcione prazer e não seja apenas uma obrigação. Podemos sentir que a nossa presença no mundo faz diferença e que somos capazes de mudar a realidade. Não precisamos estar presos a um amálgama de servidão e mentira, embora para tanto, seja imprescindível coragem e esforço.
Como essas características andam cada vez mais raras, ainda veremos muitas #sextou por aí, em que muitos indivíduos, incapazes de gerir a sua vida, buscam ingerir incontáveis doses de soma, como diria Huxley, a fim de que possam suportar pacientemente os dissabores da vida e serem extasiamente felizes.
“E se alguma vez, por algum acaso infeliz, ocorrer de um modo ou de outro qualquer coisa desagradável, bem, então há o soma, que permite a fuga da realidade. E sempre há o soma para acalmar a cólera, para nos reconciliar com os inimigos, para nos tornar pacientes e nos ajudar a suportar os dissabores.”