Como uma borboleta

Tento fazer sentido, tento tomar notas

Notas, rotas, esparsas, desmoronando

Tento causar deslumbre na agonia horária

Cartas, calhas, calejadas, precipitando

Aquilo que é claro para mim, claro não é a ele

Não é a ela. Verão, inverno. Jardins, luzes, fábricas.

 

As sombras de um pequeno rapaz assustado

Iluminam os passos de um pequeno rapaz paralisado

Na triste tinta que transborda da caneta

Nos sons melancólicos emitidos nas teclas

Na lâmpada acima, no tédio existencial, na lágrima seca

Verte os teus passos, garfos, caminha para a ilusão

 

Sente o teu peito bater, sente os teus olhos fluir

Sente a pasta amarela, os papeis, a insegurança

Sente, mas só sente. Não expressa tão bem, não sê torto

Não sê tão esquerdo, direito, baixo, cima. Não sê isso

Isso o que tu és. Te nega a todo momento, em nome de quê

Em nome de qual ideal, de quais ferrovias pelas quais o trem passa

 

O trem cruel cujo nome é vital espanta pela intempérie

Mas ele espanta também pelos mil e um túneis escuros

E pelas mil e uma luzes nos fins dos mil e um túneis

Absorve essa lição. Mas pelo amor, pelo amor, pelo amor

Não sê isso. Esse detrito. Restrito. Resto. Sobra. Lixo

Sê celestial. Ser celestial. Que passa e ilumina. Aquele que sofre

 

Ergues a justiça. Como no hino da falida pátria. Não fracassas

E se fracassas voltas. Voltas àquela angústia de tomar notas

Eternamente. Como em um escritório que fecha cedo as portas

Eu quero conhecer a palavra. Sagrada, profana, qual seja

Pois acredito que há palavras que mudam o mundo

Que mudam a nossa visão. Nossa psique. Nosso sangue

E que quanto mais são ditas, ecoam e fazem vendaval

De neve e poeira. De sonho e pesadelo. Branco no preto. Chover no molhado

 

Te cobres nas noites frias e quentes. Nos dias de odor e cheiro

Com um lenço real ou com a palha vegetal. Mas porém todavia

Não te esqueces jamais do retrato que ficou na sala. Do livro estampado

Já que the book of the lady é perfumado. Como rosas lilás

Dubiedades, indecisões. Mistura de coisas. Uivos e cacarejos

A figura é da linguagem mas a mensagem é da vida. E é localizada

Não universal. Sem pretensões de falar por alguém. Mas com desejos

Desejos íntimos e quentes. De fazer sentido e de tomar por todo o sempre

 

Notas e mais notas.

Poema de autoria do colunista

*****

Recomendações Cinematográficas

Alguns dos melhores longa metragens de ficção e não-ficção que vi recentemente

*The Tale (EUA, ALE, 2018)
*The Time That Remains (ING, BEL, ITA, FRA, 2009)
*Deux Jours, Une Nuit (FRA, ITA, BEL, 2014)
*Jusqu’à la Garde (FRA, 2017)
*El Bosque de Karadima (CHI, 2015)
*Laurence Anyways (CAN, 2012)

Veja também o curta metragem israelense “Sinner” (2009) que aborda o tema da pedofilia, similarmente ao filme “O Conto” recomendado acima. Disponível no Youtube:

Recomendação Bibliográfica

O polêmico ensaio “A vítima tem sempre razão? Lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro”

A vítima tem sempre razão? é um livro provocativo sobre duas das questões de maior impacto na vida contemporânea e na esfera política, dentro e fora do Brasil. Por um lado, a afirmação crescente dos movimentos identitários, em especial o movimento negro e o movimento feminista, e seu protagonismo na luta por direitos e reconhecimento. Por outro, a transformação do espaço público e das estruturas de mediação a partir das mídias sociais.

Entrevista com Francisco Bosco na Folha de São Paulo:

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/11/1936107-militancia-e-linchamentos-inspiram-ensaio-a-vitima-tem-sempre-razao.shtml

Para uma crítica do livro escrita pela ativista feminista Manoela Miklos:

https://arevistadoslivros.com.br/conteudos/visualizar/O-crepusculo-do-esquerdomacho

Para uma réplica a Manoela Miklos escrita pelo autor:

https://www.arevistadoslivros.com.br/conteudos/visualizar/Aos-argumentos-cidadaos

Recomendo também o livro “Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico” da economista da USP Laura Carvalho para quem deseja entender um pouco mais dos ciclos de crescimento e declínio da economia brasileira nos governos Lula e Dilma. A autora ajuda a desmistificar de vez a retórica ortodoxa predominante no noticiário que se limita a explicar a recessão iniciada em 2014 com base na ótica do colapso fiscal politicamente intencionado.

Recomendação Musical:

O último trabalho de Chico Buarque: o disco “Caravanas”