Em uma palestra para o Café Filosófico, Leandro Karnal faz uma reflexão sobre a falsa felicidade e a nossa dependência da aprovação alheia. Confira abaixo a transcrição do trecho.
“Porque ser normal neste mundo é ser louco. E ser enquadrado neste mundo, é em primeiro lugar, ser alguém que serve para o palco alheio, para peça escrita pelos outros, para o roteiro definido por terceiros e ao final, como a morte é solitária, sem a palma de ninguém, apenas com uma biografia vazia e absolutamente infeliz.
Hamlet (Peça de William Shakespeare) morreu como um doce príncipe, tendo purgado do mundo todos que viveram papéis distintos, um preço alto, épico, teatral e retórico. Nós podemos aprender com o príncipe, a capacidade de viver numa casca de noz e descobrir que a felicidade, que a busca da consciência, que a crítica social, que a ação política, que o engajamento, não dependem nem do lugar, nem da hora, nem do momento, mas apenas exclusivamente daquilo que eu decida para aquela casca de noz onde ele encontra todo universo.
Todo universo está contido na minha consciência, porque é a única coisa que eu tenho, eu, sozinho, lendo um livro, ou eu trocando ideias como eu troco essa noite com os senhores, é um momento que as nossas consciências se questionam, avançam, e eu posso dizer muito longe do espírito de auto ajuda, que, diz, aceite-se e você será feliz, é muito mais grave do que isso.
É tente descobrir vagamente quem você é, então você não será feliz, mas sua consciência vai pelo menos fazer com que você não seja falso, vazio e comum, e que você pare de postar felicidade falsa, que não convence mais ninguém, há muito tempo nem a você mesmo.
Por isso que você passa cada vez mais horas postando ao celular, porque a dose da droga tem que aumentar à medida que o corpo resiste a ela.
Hamlet está nos dizendo: Digam ao celular, digam ao computador, digam ao emprego, digam a roupa, digam a família, digam a academia, digam a tudo, pelo menos uma vez na vida quem é que manda.
Porque até o momento são eles que mandam, Hamlet está dizendo: Comece a fazer algo, porque se você não fizer, em breve o resto será silêncio.
E esta é a lição do príncipe, e cada vez que eu leio o príncipe, eu me envergonho de ser muito menos, do que a consciência dele é, Eu me envergonho de ainda ser tão social, tão enquadrado.
Eu me envergonho de várias coisas e me alegro que aqui, na minha contradição, na minha hipocrisia, na minha absoluta mediocridade, eu consigo olhar para o príncipe e dizer: Eu gostaria de um dia, ao envelhecer, pelo menos tentar ficar sábio.”
Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas do trecho da palestra de Leandro Karnal a CPFL Cultura: Hamlet e o Mundo Como Palco | Leandro Karnal
Veja na íntegra:
“Pare de postar felicidade falsa, que não convence mais ninguém há muito tempo, nem a você mesmo. Por isso que você passa cada vez mais horas postando ao celular, porque a dose da droga tem que aumentar à medida que o corpo resiste a ela.”
Leandro Karnal (São Leopoldo, 1º de fevereiro de 1963) é um historiador brasileiro, atualmente professor da UNICAMP na área de História da América. Foi também curador de diversas exposições, como A Escrita da Memória, em São Paulo, tendo colaborado ainda na elaboração curatorial de museus, como o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.
Graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e doutor pela Universidade de São Paulo, Karnal tem publicações sobre o ensino de História, bem como sobre História da América e História das Religiões.