“Fazem mais de trinta anos que eu venho defendendo a ideia de que as afinidades, quanto maiores, melhores para as relações. Afinidades, evidentemente, quando eu penso hierarquicamente.

A primeira afinidade seria a de caráter, porque você, mocinha, se vier a se casar com um bandido, não terá a menor chance de ser feliz. Afinidade de caráter significa duas pessoas idôneas, confiáveis, que não mentem, que falam o que pensam, mas que também são cuidadosas em relação a esse modo de falar, porque às vezes falar tudo o que se pensa de forma bruta não é bom – é preciso saber se expressar com polidez.

Quando um casal se casa na juventude são necessárias afinidades de projetos de vida, como a decisão de ter ou não filhos, sobre a quantidade de filhos… Evidentemente tudo isso está sujeito à adaptação, mas, independente disso, o projeto tem que ser mais ou menos claro inicialmente, como a importância do dinheiro, o quanto se pretende construir em termos de história profissional, carreira etc.

O amor une as pessoas, mas o que garante a continuidade da relação são os projetos em comum. Se um determinado casal larga tudo e vai para uma ilha deserta viver apenas de amor, em três semanas a relação estará intragável, pois não acontecerá nada; é como um útero, que é um sonho da gente, mas um sonho que não tem realidade, porque, depois que o cérebro já entrou em atividade e operação, o útero é um lugar chato e tedioso.

É necessário ter uma história a ser construída em conjunto, com afinidade de caráter e afinidade de projetos. Se for possível ter todas as outras afinidades é melhor, como os membros do casal gostarem de ar condicionado, terem o mesmo ritmo e horário para dormir e acordar, gostarem do mesmo tipo de programação esportiva e cultural, gostarem das mesmas pessoas socialmente… Mas isso é impossível, claro. Essas pequenas afinidades são os benefícios, mas não são o fundamental. É possível lidar com essas divergências se houver afinidade de caráter e de projetos, além da afinidade em relação ao gosto pelo lazer, ponto este, hoje, muito importante na vida em comum, pois antigamente as pessoas se casavam para enfrentarem as forças das adversidades, e hoje o objetivo centra-se na vida que se quer construir, incluindo o lazer. Uma pessoa que gosta muito de viajar junta a outra que detesta avião, por exemplo, não dá certo”.

Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas do trecho da palestra: Café Filosófico: Amor nos tempos longevos – Flávio Gikovate.

Confira na integra:

Flávio Gikovate nasceu em 1943 e publicou 34 livros. Psiquiatra, dedicou-se à psicoterapia e tornou-se um dos mais conceituados e reconhecidos psicoterapeutas brasileiros. Para conhecer diversos livros do autor, clique AQUI.

Os opostos se atraem? Acho que não. Na verdade, o melhor é que as pessoas que queiram ficar juntas tenham gostos, projetos e caráter parecidos.