Luiz Felipe Pondé comenta uma famosa historia do Dostoiévski chamado “O sonho do homem ridículo”. Abaixo você pode conferir a transcrição da fala de Pondé.

Um dos pontos que causa maior impacto há anos é um conto do Dostoiévski chamado “O sonho do homem ridículo”, porque é um conto em que há um sujeito que quer se m*tar, o que é o sonho ideal de todo psicanalista (só não é tão ideal porque em um sonho só esse personagem resolveu a análise).

O sujeito é um deprimido niilista que afirma que a vida não tem sentido, e que todo mundo é idiota. Ele decide se m*tar em um dia, e, no caminho, uma menina o encontra e lhe pede para que ajude sua mãe, mas ele empurra essa jovem e vai para casa se m*tar. Ele aponta o revólver para seu coração e dorme, tendo, então, o sonho do homem ridículo. Nesse sonho, ele é levado para um planeta onde as pessoas são todas felizes e se amam. Elas são tão felizes e se amam tanto que elas nem falam umas com as outras. E você só precisa falar quando é infeliz. Quando você é feliz, você sorri, abraça… Então ele chega nesse lugar, sente-se incomodado e vai forçando a barra; sente-se mal até que consegue falar com uma pessoa. E a tese dele é a de que lá é o paraíso que deu certo (diferentemente do nosso, claro). Só que quando ele começa a falar com as pessoas, elas começam a gritar, a passar umas na frente das outras, ninguém se ouve… e ele fica desesperado (começa a se sentir em casa, né?). Ele tenta fazer com que aquilo acabe, mas acorda e sai para procurar a menina.

Ele desiste de se m*tar e tem um insight no sonho: o insight que o liberta da depressão é porque ele percebe que no sonho estava no lugar da serpente. Ou seja, em vez de ficar se preocupando o tempo inteiro com autoestima, Dostoiévski, nesse conto, descobre algo que deixava Freud muito impressionado – algo que o psicanalista levara séculos para entender, e que Dostoiévski colocara numa frase. O sujeito descobre que, sendo serpente, ele é altamente responsável pelo que há no mundo de errado e não que ele é aquele sujeito que está salvando o mundo porque ele é muito legal. Ele recupera a vontade de viver no sonho e vai procurar a menina (é o contrário da ideia do marketing). É a ideia de que reconhecer aquilo em que você não é bom pode ser muito mais libertador do que quando alguém fica lhe dizendo que você é lindo, é maravilhoso e que não é melhor ainda porque o capitalismo não deixa, a igreja não deixa, seu pai não deixa, e ninguém deixa.

Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas do trecho da aula de Luiz Felipe Pondé Tv Mackenzie – Educação na Contemporaneidade”

Confira o vídeo:

Luiz Felipe Pondé, possui graduação em Filosofia Pura pela Universidade de São Paulo (1990), mestrado em História da Filosofia Contemporânea pela Universidade de São Paulo (1993), DEA em Filosofia Contemporânea – Universite de Paris VIII (1995), doutorado em Filosofia Moderna pela Universidade de São Paulo (1997) e pós-doutorado (2000) em Epistemologia pela University of Tel Aviv.

Atualmente é professor assistente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professor titular da Fundação Armando Álvares Penteado.