O homem é um animal político – zoon politikon – definiu Aristóteles há bastante tempo na Grécia. Para ele, viver em sociedade é condição essencial para a manutenção da vida de qualquer indivíduo. Dessa forma, estar fora de um círculo social significa estar fora da condição humana, isto é, ser algo diferente do homem, mais precisamente – uma besta ou um deus. Sendo o homem diferente de uma besta ou de um deus, necessita inequivocamente da política, exercer a cidadania, participar das decisões da comunidade, a fim de que possa atingir maior plenitude na sua vida.

Para os gregos clássicos, o significado de política estava associado ao de polis – a cidade-Estado – na qual o sujeito exercia o seu papel enquanto cidadão, podendo participar de forma coletiva das decisões que contornariam a sociedade. Existia um sentimento identitário que ligava o indivíduo ao todo – a polis –, de modo que a realização individual se exercia plenamente apenas na vida pública, na qual havia a concretização da cidadania. Em outras palavras, havia uma aproximação muito maior entre a esfera individual e coletiva na sociedade grega se comparada com a nossa.

Para além das romantizações, evidentemente, a ideia de comunidade ou participação política não se estendia a todos, muito pelo contrário. Os excluídos, como os escravos – inclusive – eram fundamentais para que a cidadania fosse algo tão importante entre os gregos, criando a contraposição entre sujeitos livres e participantes das decisões da cidade e indivíduos escravizados e inertes quanto aos destinos da polis.

Entretanto, ainda que críticas devam ser feitas sobre a constituição política na antiguidade clássica, a fim de que interpretações romantizadas sobre o período não sejam construídas, é interessante perceber como houve – mesmo com limitações – a criação e desenvolvimento de uma ideia de participação política e, consequentemente, cidadania e democracia em uma época tão antiga da humanidade. Mais que isso, como havia uma compreensão muito mais profunda da importância de se fazer enquanto indivíduo por meio da política, necessitando estar e agir ativamente na vida pública.

Essas concepções precisam ser retomadas, sobretudo, em um momento em que a democracia anda fragilizada, a ponto de alguns pensadores, como Zygmunt Bauman, considerarem que a sociedade está caminhando para uma “pós-democracia”, já que não há mais uma confiança nas instituições democráticas, nem um compromisso destas em representar os interesses das “cidades”, leia-se, do coletivo.

É imprescindível compreender e recolocar na sociedade a importância do ser político para a vida em comunidade. Pensar e agir de forma egoísta, voltando-se tão somente para o seu ego é ser um idiota na acepção da palavra (um ser que olha apenas para o seu umbigo), ou acreditar que, de fato, é um deus, que não necessita olhar para o outro, agir com alteridade e, logo, procurar alternativas para que a vida em comum seja mais harmônica.

Não é estranho, diante de uma conjuntura em que a vida está sendo inteiramente privatizada, que o pensar público, coletivo, esteja em crise, que a ideia de comunidade esteja completamente fragmentada, e a democracia esteja respirando com a ajuda de aparelhos. Da mesma maneira, é totalmente compreensível, por esse prisma, o modo tirânico como muitas pessoas colocam as suas cosmovisões, impondo goela abaixo o que acreditam, sem respeitar o direito que o outro possui para exercer livremente a sua capacidade de raciocínio ante a realidade que o toca, afinal isso não é ser político, pois onde não há liberdade, a política não pode ser feita.

Esse é o grande cerne da questão, qual seja, a liberdade. É necessário que haja liberdade para que os indivíduos possam ser sujeitos, ou seja, agir na vida pública e exercer a cidadania. Todavia, assim como aconteceu na antiguidade clássica, existe uma limitação muito grande em relação à liberdade e, por conseguinte, à cidadania, uma vez que a grande massa da sociedade – explorada pelas condições de produção impostas pela classe dominante – se torna incapaz de participar efetivamente da vida política e interferir nas decisões e rumos da sociedade.

É claro que existem diferenças entre sociedades da antiguidade e do mundo contemporâneo – é preciso ter cuidado com o anacronismo – mas sejam nesses períodos, ou em outros, sempre há impeditivos e dificuldades para participação política da maior parte da população, tanto em termos quantitativos, quanto qualitativos (o ponto que mais nos aflige atualmente). Dessa forma, o ser político, que se entende enquanto um sujeito individual, mas também compreende a importância de pensar em sentido coletivo, se torna raro, haja vista o não oferecimento de condições para que fosse algo comum (de todos).

Embora o quadro não seja dos mais animadores, é necessário considerar que mesmo sem as melhores condições para o exercício da liberdade diante de tantas ditaduras invisíveis (ou não tão invisíveis), precisamos recuperar a identidade política dos gregos, porque de fato a vida em sociedade nos é imprescindível. Entretanto, é preciso dar um passo adiante, para que a liberdade e a cidadania de uns não sejam exercidas às custas da escravidão de outros, e tampouco o privilégio de poucos; mas o direito real (porque na ficção jurídica já existe) de todos.

Talvez para que isso ocorra, devamos deixar de ser mais idiotas e olhar mais os tantos “invisíveis”, que de uma sociedade à outra continuam “magicamente” existindo, e mais “magicamente” ainda, se multiplicando.