Abaixo você confere a transcrição de um trecho da palestra de Clovis de Barros filho para a Unimed. No trecho ele conta uma história para ilustrar o conceito de liberdade na convivência social.

“Eu gostaria de trazer aqui à baila o caso do Big Brother Brasil, porque a discussão sobre liberdade não está mais na mão de metafísicos como Kant, Hume, Nietzsche, Descartes, Platão… Ela está na mão de pessoas que estudam concretamente a vida em sociedade, de pessoas que estudam a influência do coletivo sobre o comportamento individual. Quem hoje tem a legitimidade verdadeira para tratar da liberdade é um cientista que atende pelo nome de psicólogo social. Essa é a verdade. É ele quem mostra os limites da deliberação moral no seio da pressão do coletivo.

Eu estava numa feira perto de casa comprando tomates. Era domingo, mês de janeiro, portanto, eu não fazia nada na universidade. Então uma senhora me cutucou incomodativamente. Ela me perguntou: “O senhor viu ontem?”. Se fosse um dia normal, eu diria: “Não tenho tempo para perder com a senhora”, mas como eram férias, eu percebi que essa senhora se imortalizaria nas minhas aulas, porque “o senhor viu ontem” é a própria ideia do espaço público. Não só ela acreditava que eu sabia do que ela estava falando, como ela não deu nenhum indicativo do que era. Eu, por minha vez, resolvi arriscar e disse: “Vi” (quem sabe, no decorrer do diálogo, eu descobriria). Então ela disse: “Que barbaridade, não?”. E eu falei: “Ah, senhora, eu não sei onde nós vamos parar”. “Pois é. E ninguém diria”, ela disse. “Olha, eu não diria mesmo.” A conversa foi e veio e o japonês, vendedor de tomates, nos contemplava desconfiadíssimo. Até que eu capitulei e confessei a minha ignorância: “Eu não sei do que a senhora está falando”. E ela retrucou: “Do Thyrso, ué”, uma personagem do Big Brother da época. Eu disse: “Aaaah, o Thyrso!”.

Aí então me interessou muito mais. Do Thyrso! Em outras palavras, essa senhora achava uma obviedade que eu soubesse que o que estava se passando pela cabeça dela era o Thyrso. “Que é que tem o Thyrso?” “Você não viu?” E eu falei: “Não”. “Você disse que tinha visto.” Eu falei: “Eu vi uma porrada de coisa ontem, mas o Thyrso eu não vi”. “Então, o Thyrso só ficou vinte e quatro horas sem escovar os dentes, o Bial mostrou.” “Não diga?” “É, não sei onde nós vamos parar.” “É verdade.”

O que estava acontecendo lá, meus amigos? Eu estava tendo que conversar com essa senhora sobre os hábitos de escovação dentária do Thyrso. Eu pergunto: “Quem é o Thyrso?”. Ninguém. Fazendo o quê na casa? Por definição, nada. Ninguém fazendo nada na televisão é objeto da agenda pública, mas não é um objeto qualquer. É um tema político por excelência, porque político é o que interessa a toda a polis. Você poderá perguntar: “O senhor está forçando?”. Eu? Sessenta milhões de telefonemas no paredão, telefonemas facultativos e pagos. Preciso dizer mais alguma coisa? A vitória do presidente Lula se torna menos significativa diante do paredão do brother Alemão. Você percebe, então, que estar a par das ocorrências do Big Brother acaba se tornando condição da existência em sociedade em certos universos. Naturalmente, você já percebeu que não é sobre qualquer tema que você pode falar. Naturalmente, você já percebeu que, para interagir em sociedade, é preciso compartilhar temas que não é você quem define. Naturalmente, você já percebeu que a liberdade, para se existir em sociedade, não é muito grande.

Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas do trecho da palestra de Clovis de Barros Filho sobre a Liberdade para a Unimed em 2009.

Confira na íntegra:

Clóvis de Barros Filho é atualmente um dos mais requisitados palestrantes do Brasil. Suas aulas e palestras sobre ética já foram ouvidas por milhões de pessoas em todos os estados do país, e também no Uruguai, na França, no México, na Argentina, na Espanha, em Portugal, entre outros.

Doutor e Livre-Docente pela Escola de Comunicações e Artes da USP, o Professor Clóvis atua no mundo corporativo desde 2005, por meio de seu escritório, o Espaço Ética.  Tem como clientes empresas de todos os portes, de inúmeros ramos de negócios.