Em uma de suas falas, Leandro Karnal na palestraCivilização e Barbárie” no Sesc em 2016, chama a atenção para o dano que a crença em salvadores da pátria traz para para a democracia. Leia abaixo a transcrição do fragmento da fala de Karnal.

O messianismo é anterior à crise, mas ele se reforça em crise. Quando Dom Sebastião desapareceu em 1578, Portugal passou a esperar o rei perfeito, o rei que morreu cedo, solteiro… e até os últimos reis de Portugal, como Dom Manuel II, tiveram que jurar que se Dom Sebastião voltasse, eles lhe entregariam o trono.

O sebastianismo volta ao Brasil como forma messiânica em Canudos, no Contestado (entre Paraná e Santa Catarina), e isso tudo é uma grande aspiração política: “Vai vir a pessoa que vai refazer o país”. Tal ideal já atingiu Collor, o qual foi o modelo messiânico caçador de marajás — isso já foi de vários sentidos, aplicado a várias personagens. Citando Bertolt Brecht, “Infeliz do país que necessita de heróis”, porque a necessidade de heróis demonstra fraqueza dos subordinados.

Eu quero cada vez menos políticos carismáticos e mais eficazes, menos cheios de aura, de retórica brilhante, e cada vez mais trabalhadores e éticos. Aquele político magnético, com aqueles olhares de um “church” ou que lançava seus discursos inflamados, e aquela força retórica dos políticos clássicos do século XX são, em minha opinião, a médio e longo prazo, danosos – são sempre um espetáculo, como foi Eva Perón, que não era uma política formal, mas era importante. Eu quero políticos cada vez mais técnicos, cada vez menos ideológicos, ainda que não exista neutralidade em política, e cada vez menos discursos ideológicos de esquerda e direita, cada vez mais eficácia, produtividade, ética e trabalho para o grande grupo. Então, esperar salvadores da pátria é algo ruim. Qual é o problema de horizonte hoje?

Em 1984, eu estava num comício em Porto Alegre pelas Diretas Já. Estava terminando a graduação em História, e a gente lutava pela volta das eleições diretas, cassadas no governo Castello Branco. Por pressão e uma série de motivos isso ocorreu, tendo a ditadura militar fim em 1985, e subiu ao poder, como fruto do nosso esforço, José Sarney — após anos de ditadura, o ex-presidente do PDS da Arena subia ao poder. Fizemos campanhas contra Sarney quando eu era um estudante de pós-graduação – precisávamos de eleições com voto direto popular, e isso ocorreu em 1989. Em 1990, assumiu Collor, o primeiro presidente eleito desde 1960.

Havia quem não gostasse de Lula, então veio Dilma. Dilma tinha seus críticos, então veio Temer. O problema atual não é a existência de um Messias, mas a inexistência de qualquer ser humano viável para governar este país. Então, ocorre a substituição de Lúcifer por Satanás, Satanás pelo Demônio, e assim nós vamos indo. O problema desse esvaziamento da política é que nesse entardecer, profetizado por Lenin em 1905, surgem os monstros.

A democracia é uma experiência sempre difícil. Para Churchill, ela é o pior dos sistemas, com exceção de todos os outros tentados até hoje. Boris, um conservador, diz que ela é uma superstição numérica. O público sempre votará em alguém parecido com ele mesmo e o público é medíocre. Por fim, aprendemos a duras penas que a democracia é um grande avanço, mas não representa uma revolução ética.

Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas do fragmento do 1º encontro do projeto “Civilização e Barbárie: a cidade” com Leandro Karnal e Paulo Celso no Sesc Sorocaba em 2016 

Confira na íntegra:

Leandro Karnal (São Leopoldo, 1º de fevereiro de 1963) é um historiador brasileiro, atualmente professor da UNICAMP na área de História da América. Foi também curador de diversas exposições, como A Escrita da Memória, em São Paulo, tendo colaborado ainda na elaboração curatorial de museus, como o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.

Graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e doutor pela Universidade de São Paulo, Karnal tem publicações sobre o ensino de História, bem como sobre História da América e História das Religiões.