Procusto, segundo a mitologia dos gregos antigos, era um malfeitor que morava numa floresta na região de Elêusis (península da Ática – Grécia). Ele tinha mandado fazer uma cama que tinha exatamente as medidas do seu próprio corpo, nem um milímetro a menos. Quando capturava uma pessoa na estrada, Procusto amarrava-a naquela cama. Se a pessoa fosse maior do que a cama, ele simplesmente cortava fora o que sobrava. Se fosse menor, ele a espichava e esticava até caber naquela medida. A simbologia por trás desse mito representa a Intolerância diante do outro, do diferente, do desconhecido. Representa uma visão de mundo totalitária daquele sujeito que quer modelar todos os seres a sua própria imagem e semelhança. É a recusa da multiplicidade, da diversidade, da criatividade, da originalidade. Procusto ou “as cegueiras do conhecimento” esteve presente, por exemplo, na consciência dos juízes de Sócrates, quando condenaram-no a morte por ter “corrompido” a juventude ateniense; esteve presente também no imaginário dos soldados romanos que perseguiam e matavam cristãos por seguir uma religião que se opunha ao paganismo e a figura sagrada do Imperador; continuou presente no Tribunal da “Santa” Inquisição que condenou à fogueira todos àqueles que eram contrários aos seus dogmas: Giordano Bruno, Galileu Galilei (foi poupado por ter negado suas teorias científicas) e até Joana D´arc; esteve presente também na consciência dos reis absolutistas; nas revoluções burguesas; no processo de escravidão mercantil; na formação dos partidos nazi-fascistas; no extermínio de milhões de judeus nos campos de concentração, de trabalho e também nas Guerras Mundiais… (só para citar alguns poucos exemplos…) O espírito de Procusto esteve presente em várias etapas de nossa História e ainda continua atormentando a Escola tanto quanto o processo educativo. Em outras palavras, está presente na consciência humana produzindo “cegueiras”, erros e ilusões do conhecimento. Mas como perceber os erros, ilusões e cegueiras em torno do conhecimento humano? O conhecimento é um processo e produto da consciência humana, na medida em que colhe dados da realidade através de habilidades de pensamento (tradução/reconstrução); dados que são construídos pela percepção dos sentidos (tato, visão, audição, olfato e paladar); processados por nossa imaginação e linguagem; armazenados na memória e transmitidos pela oralidade. Através do processo de “tradução e reconstrução” corre-se o risco do erro, pois a Interpretação (decorrente do processo do pensar) depende da subjetividade do sujeito que conhece e de sua visão de mundo (conjunto de costumes, tradições, hábitos, crenças, etc.) que são assimilados socialmente. Entendemos que o ser humano é ao mesmo tempo sapiens, no sentido de ser dotado da racionalidade, mas também é demens, isto é, capaz de condicionar seu pensamento e ação de acordo com sua afetividade, desejos, medos, perturbações mentais, por suas emoções de maneira geral. Isto quer dizer que, subjetivamente, somos “atormentados” por nossas emoções que também condicionam nossas atitudes. Dessa forma, sabemos que em muitas ocasiões temos uma alta probabilidade de cometer erros e ilusões quando agimos de acordo com “impulsos” afetivos, ao ponto de mentir para si próprio ou projetar no outro nossos próprios erros. Mas também, podemos cometer o erro de agir com tamanha racionalidade ao ponto de nos desumanizar (perdendo o senso de solidariedade e coletividade), como nosso amiguinho Procusto, ou nossa querida Escola que pode ser caracterizada como uma Instituição regularizadora, normalizadora de comportamentos, seletiva e discriminatória… O fantasma de Procusto é justamente essa “Visão de mundo” fechada em si mesma, paradigmática, dogmática e totalitária que imprime uma matriz cultural que permeia nossas ações e pensamentos e que inevitavelmente conduz os seres humanos a erros, ilusões e cegueiras no processo do conhecer, fruto da consciência humana. Essa “visão de mundo” imprime ideias, valores, percepções falsas da realidade, e de certa forma, bloqueia o conhecimento do ser humano e inevitavelmente suas ações. A instituição escolar vem reproduzindo essa “visão paradigmática” desde a sua origem, e atualmente problemas como: evasão, repetência, indisciplina, violência, etc. são decorrentes de uma educação que não é compatível com as novas demandas culturais e sociais de educandos, e dessa forma, não oferece um tipo de ensino pertinente, global, contextualizado, que orienta uma nova leitura da realidade, ocultando possíveis erros, ilusões e cegueiras… chegar a esse tipo de conhecimento será desafio ou utopia? Derrotar Procusto ou ser seu amigo?
Por André Wagner Rodrigues – Historiador pela UNESP; pós-graduado em “Filosofia da Educação” pela PUC e Mestre em Educação pela Uninove. É autor do livro: “Sofia, a menina que gosta de filosofar” pela editora Uirapuru.