
A frase “Dê pão e circo ao povo e ele nunca se revoltará”, atribuída erroneamente a Júlio César, representa uma crítica à estratégia histórica dos governantes para controlar as massas. Ao oferecer uma satisfação imediata e superficial das necessidades básicas (o “pão”) e distrações com entretenimento (o “circo”), os governantes garantem que a população não questione as estruturas de poder e não se engaje em transformações sociais profundas. No contexto contemporâneo, essa estratégia de controle continua a ser uma realidade no Brasil, onde políticas assistencialistas e grandes eventos culturais funcionam, muitas vezes, como ferramentas de manipulação, mantendo a população em um estado de passividade e conformismo. No entanto, as consequências dessa passividade são graves e acabam alimentando um ciclo vicioso de corrupção e o fortalecimento cada vez maior do poder do Estado, que se torna mais centralizador e controlador.
O Bolsa Família, criado com o intuito de combater a pobreza, ilustra bem a aplicação moderna do “pão” como um mecanismo de controle. Ao oferecer uma ajuda financeira a milhões de brasileiros, o programa proporciona um alívio imediato para famílias em situação de vulnerabilidade. Contudo, o que muitas vezes é ignorado é o caráter coercitivo dessa assistência. Em troca da sobrevivência básica, as famílias precisam se submeter a uma série de condicionalidades que reforçam uma relação de dependência com o governo. Esse assistencialismo pode ser uma forma de manter a população quieta e conformada, sem se engajar em um processo de mudança social mais amplo. A distribuição de recursos se transforma em uma “troca”: a manutenção da ordem social e da passividade política em troca de um auxílio que, embora necessário, não é capaz de emancipar os cidadãos.
Simultaneamente, o “circo” moderno se materializa nas festas populares, como o Carnaval, que, embora represente uma expressão cultural rica, também se torna uma forma de desviar a atenção das questões sociais profundas. A diversão oferecida pelos grandes eventos culturais funciona como um alívio temporário para as tensões sociais, mas não resolve as desigualdades estruturais que afligem a população. Assim, o povo se vê ocupado com o “circo”, mas incapaz de refletir e agir sobre o “pão” que falta em muitos aspectos essenciais da vida, como saúde de qualidade, educação e segurança. Esse processo de distração gera uma sociedade que, em vez de se mobilizar para exigir mudanças, é mantida em um estado de conformismo e aceitação daquilo que é oferecido.
No entanto, as consequências dessa passividade são ainda mais graves: a corrupção e o aumento do poder estatal. Quando o povo não se revolta, não se organiza e não exige mudanças estruturais, o sistema político pode se corromper, pois a falta de fiscalização e pressão popular facilita o abuso de poder. Governantes e elites podem utilizar a manipulação de recursos e o controle do entretenimento para se manter no poder, sem enfrentar resistência significativa. Nesse cenário, o Estado se fortalece cada vez mais, centralizando o poder em suas mãos, sem a necessidade de legitimação popular constante. A corrupção se torna um subproduto dessa estrutura, pois os recursos públicos destinados à assistência social podem ser desviados ou mal geridos, sem que a população tenha a capacidade de questionar ou exigir responsabilização. Ao invés de uma verdadeira transformação social, o assistencialismo e o “circo” reforçam um sistema de dominação que beneficia uma pequena elite à custa de uma grande maioria que permanece passiva.
Sigmund Freud, em O Mal-Estar na Civilização, argumenta que as instituições sociais são projetadas para aliviar os conflitos internos dos indivíduos, oferecendo-lhes prazer e satisfação substitutiva. Esse prazer, no contexto brasileiro, não é apenas o entretenimento, mas também a segurança financeira proporcionada pelo assistencialismo. No entanto, Freud também alerta que essas soluções superficiais não resolvem os problemas reais, como a falta de liberdade e de participação ativa na sociedade. Em vez de buscar mudanças profundas, a população se contenta com os “alívios temporários” oferecidos pelo Estado, enquanto os problemas estruturais se perpetuam.
O efeito cumulativo de “pão e circo” no Brasil é, portanto, a perpetuação de uma dinâmica de subordinação e passividade que permite que a corrupção se enraíze e o poder do Estado se expanda. Governos que distribuem assistência social e controlam o entretenimento, em vez de investir em educação, saúde e oportunidades reais de crescimento, garantem que as pessoas se mantenham ocupadas e satisfeitas o suficiente para não questionar a falta de mudanças estruturais. Esse processo não só impede a revolta popular, mas também cria um ciclo em que o Estado se fortalece à medida que a população se enfraquece politicamente. Ao oferecer “pão e circo”, o governo não apenas neutraliza a resistência, mas também solidifica seu controle, ampliando suas capacidades e aprofundando a corrupção.