Texto de Gustl Rosenkranz
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Eu cresci aprendendo que devemos sempre respeitar pessoas idosas e concordo com isso. Concordo porque devemos respeitar qualquer ser humano, independentemente de sua idade ou de qualquer outra coisa. E devemos respeitar também suas limitações e incapacidades. Então, do mesmo jeito que devemos respeitar a inocência e a falta de experiência de vida das crianças, devemos respeitar também a fragilidade de pessoas idosas.
O que não devemos fazer é transformar pessoas idosas em pessoas automaticamente boas e todos os vovôs e vovós deste mundo em santos, pois não são, não todos.
Já não me agrada a forma como costumamos falar dos idosos, como se eles fossem gente diferente, uma espécie à parte, como se os “velhinhos” não fossem nós amanhã e como se nós não fôssemos o passado deles. O idoso é gente como todo mundo, gente que foi jovem e envelheceu, do mesmo jeito que todos nós vamos envelhecer – se tivermos a sorte de (sobre)viver até lá. O idoso não é gente diferente, é gente igualzinha a nós, só que em outra fase da vida.
Uma pessoa idosa estudou e trabalhou, pagou impostos e viveu sua vida dentro de suas possibilidades. Ela não caiu neste mundo já como pessoa de idade avançada. Ela foi criança, adolescente, foi jovem, atravessou a meia-idade e viveu com tudo que se tem direito.
Se uma pessoa viveu uma vida egoísta, se só pensou em si e nas próprias vantagens, talvez com mau-caratismo e safadeza, essa trajetória de vida não se anula porque avançou a idade. Seu caráter não melhora simplesmente porque ela envelheceu.
Eu era criança quando presenciei duas brigas. Primeiro de uma mulher com outra, essa outra já idosa. A briga foi feia, a mais jovem gritou com a idosa e a xingou de um monte de coisas, até que a idosa começou a chorar e foi embora. Aí começou outra briga de outras pessoas com a mulher por ela ter sido tão dura com a “coitada da vovozinha”, acusando-a de não ter respeito pelos anciãos. A mulher ficou uma arara e berrou:
– Canalhas também envelhecem!
Escutei aquilo e nunca esqueci, pois fazia sentido para mim. Se alguém viveu sua vida como um canalha, por que ele deixaria de ser canalha na velhice?
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É claro que realmente o avanço da idade pode contribuir para que a pessoa amadureça, já que, afinal de contas, o tempo nos ensina muita coisa. As cabeçadas que damos contra a parede e os cascudos que tomamos da vida também.
A experiência de vida pode sim suavizar muita gente, torná-la mais serena, mais responsável, mais autocrítica e até mesmo mais dócil, mas também há o contrário, com gente amargurando um pouco mais com cada ano que passa, gente que luta contra a natureza da vida, que não aprende com as porradas tomadas e insiste no caminho egoísta, que não desapega, que envelhece sem se livrar da carga inútil que colecionou por aí, as mágoas, a inveja, o ciúme, o orgulho, a ganância, a avareza e mais meio mundo de coisas que não prestam para nada.
Tem gente que não aprende, que não suaviza, que insiste em espalhar na velhice os mesmos venenos que espalhava no passado ou o mesmo veneno pior, muitas vezes escondido atrás da máscara de “velhinho indefeso e frágil”.
Sim, os canalhas envelhecem, assim como os idiotas, os hipócritas, os fofoqueiros, os trapaceiros, os falsos, os bandidos, os perversos, os narcisistas, enfim, todos mesmo.
Como já disse, tem gente assim que consegue melhorar, que aprende e amadurece. Nunca devemos esquecer disso. Alguém que foi muito mau-caráter no passado pode ter amadurecido, reconhecido os próprios desvios e se tornado uma pessoa boa. Envelhecer também renova, sempre que estamos abertos para isso. Mas isso não é automático, não é todo mundo que envelhece que se torna bom. Muitos idosos por aí aprontam e aprontam muito. Tem gente idosa que não vale a dentadura que tem na boca.
Como disse no início, devemos respeitar os idosos porque devemos respeitar todos os seres humanos. E devemos respeitar também suas limitações e incapacidades. Assim, devemos ter sim cuidado com sua fragilidade, relevar seus problemas de saúde, mas isso não significa que devemos santificar idoso algum. Temos o direito de criticá-los e de não concordarmos com seu comportamento e temos o direito de dizer isso a eles, mesmo que devamos sempre dar um desconto por causa da idade avançada e maneirar na intensidade.
Se alguém se comporta como um canalha, para mim ele é um canalha, tanto faz sua idade. E não acho que só envelhecer seja suficiente para melhorar o caráter de ninguém. “Canalhas também envelhecem” continua fazendo sentido para mim.