No Brasil, a corrupção está sempre em evidência, geralmente associada a escândalos políticos. No entanto, ela não nasce apenas nos altos cargos, mas também nas pequenas práticas do dia a dia. O historiador Leandro Karnal destaca que a corrupção no país envolve, além dos governantes, a responsabilidade da própria sociedade. Leia abaixo um trecho da transcrição adaptada da fala de Karnal.

É importante lembrar que, no passado, os governos no Brasil perseguiam eticamente apenas aqueles que haviam cometido — ou supostamente cometido — deslizes em governos anteriores. A ética era sempre a ética da oposição ou do governo passado; raramente o poder se voltava contra si mesmo. O governo em exercício quase nunca se via confrontado por mecanismos institucionais de controle.

O que ocorre hoje no Brasil, é um fato historicamente relevante: governantes e agentes públicos passaram a responder por seus atos durante a vigência de seus próprios governos. Temos, pela primeira vez, pessoas oriundas das mais altas esferas do poder sendo investigadas, denunciadas e presas enquanto ainda ocupam ou orbitam o centro das decisões. Isso é uma novidade na história política brasileira.

Antes, o cenário era outro. Durante a ditadura militar, por exemplo, figuras como Juscelino Kubitschek chegaram a ser intimidadas, chamadas para depor e ameaçadas de prisão sob acusações de corrupção. No entanto, as próprias corrupções do regime militar jamais foram investigadas de forma séria. Escândalos envolvendo grandes obras, estatais, falências fraudulentas, favorecimentos empresariais e desvios de recursos públicos — como os casos das polonetas, da Delfim, da Coroa-Brastel, entre outros — nunca foram plenamente esclarecidos e, em muitos casos, sequer vieram a público. Muitos desses episódios permanecem obscuros até hoje.

Mesmo após a redemocratização, houve governos em que o Procurador-Geral da República simplesmente engavetava denúncias, protegendo o poder constituído. A partir de um período mais recente, começa a se consolidar uma postura institucional mais autônoma, mais independente do poder político. A política deixa de se restringir ao campo partidário e passa a ocupar também o espaço das ruas, movimento amplificado pelas redes sociais.

Essa transformação traz facilidades e novas perspectivas, mas também exige cautela. A participação popular, por si só, não garante lisura, justiça ou escolhas acertadas. Costumo lembrar que, no primeiro plebiscito registrado na história, a multidão teve de escolher entre Jesus e Barrabás — e escolheu o ladrão. As massas já aclamaram Barrabás, assim como já aclamaram Hitler. A vontade popular nem sempre coincide com o que é moralmente ou historicamente mais adequado.

Ainda assim, trata-se de um passo necessário. A democracia é um exercício difícil, permanente e imperfeito. Ela exige aprendizado contínuo, vigilância constante e maturidade coletiva. O fortalecimento das instituições e o envolvimento da sociedade são partes desse processo — não como garantia de acerto, mas como condição para que o erro deixe de ser regra silenciosa e passe a ser debatido, enfrentado e corrigido.

Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas da fala de Leandro Karnal em entrevista para o G1.

https://www.facebook.com/leandrokarnaladmiradores/videos/1625479814439289

Reportagem postada originalmente no G1 – Você pode ver na integra AQUI.

Leandro Karnal (São Leopoldo, 1º de fevereiro de 1963) é um historiador brasileiro, atualmente professor da UNICAMP na área de História da América. Foi também curador de diversas exposições, como A Escrita da Memória, em São Paulo, tendo colaborado ainda na elaboração curatorial de museus, como o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.