Em um texto cheio de histórias curiosas e verdades incômodas, Leandro Karnal mostra como viver fora da linha dá um trabalho danado — apagar mensagens, esconder placas, inventar desculpas e até levar mexerica pro motel pra disfarçar o cheiro. Tudo isso só pra manter uma farsa. Com um tom leve, mas direto, ele joga a pergunta no ar: não seria mais fácil ser honesto? A resposta vem entre risos e reflexões: a vida ética pode não parecer a mais esperta, mas com certeza é a mais tranquila. Confira abaixo a transcrição da fala de Karnal:

Recentemente, um colega me contou que está traindo a esposa. E ele disse que isso dá um trabalho enorme. Precisa apagar todas as mensagens, até no WhatsApp, paga apps, vive um esforço contínuo para evitar rastros. Evita usar cartão, saca dinheiro no banco, já chegou a pedir carro emprestado só para a placa do seu carro não ser vista no motel.

E o detalhe mais inusitado: leva mexerica pro motel. Sim, porque o sabonete do motel tem um cheiro específico, e quando o marido volta cheirando diferente, a esposa já sabe. Então ele leva mexerica, come no motel, para disfarçar o cheiro. Olha o nível da operação!

Depois que ele me contou tudo isso, eu perguntei algo de lógica simples, quase aristotélica:
Não é mais fácil ser fiel?
E se não consegue, não seria mais fácil se separar?

Mas parece que as pessoas se acostumaram com a dificuldade da mentira. Assim como quem instala aplicativo para evitar blitz da polícia, enquanto seria mais fácil apenas renovar a CNH vencida. Não é mais fácil andar na linha? Viver tranquilo?

No domingo passado, voltando de viagem, fui abordado pela Polícia Federal. O policial me segurou pelo braço — levei um susto. Mas ele disse: “Eu vejo muito seus vídeos.” Ainda assim, deu aquele frio na barriga. Mesmo sem estar carregando nada de errado. Minhas malas leves, comprando nada demais. Mas sempre dá um medinho, né?

E isso me fez refletir: como é boa a sensação de viver uma vida limpa. A vida ética é a vida reta, é a vida que vale a pena ser vivida.

Há dois meses, depois de uma palestra em Porto Alegre, um senhor se aproximou e disse, emocionado:
“Fui colega do seu pai na Faculdade de Direito da Federal de Porto Alegre, turma de 1959.”

E completou dizendo que o meu pai era um homem ético. Ouvir isso, tantos anos depois, me tocou profundamente. Esse é o verdadeiro legado que um filho pode receber: saber que seu pai foi um homem honesto.

Pense em como deve ser doloroso para o filho de alguém preso em operação de corrupção. O pai pode negar à imprensa, mas o filho sabe. E ele sabe que o pai sabe que ele sabe. A dor desse silêncio é imensurável.

A vida ética mistura moral religiosa, ética racional e caráter. É uma escolha que fazemos porque achamos certo, porque Deus nos ensina ou porque nossa razão exige. É uma vida que não precisa esconder nada. Uma vida linear, reta, e no fundo — feliz.

Porque, sim, é falso dizer que o crime nunca compensa. Ele compensa muitas vezes. Às vezes, até muito. Mas o crime torna a pessoa intranquila. E, mais cedo ou mais tarde, vem a punição. Pode demorar anos. Pode parecer que está tudo bem. Mas de Al Capone a Pablo Escobar, uma hora chega.

E é por isso que a vida ética é melhor. É aquela que permite que você diga:
“Pode abrir meu imposto de renda. Pode ver minhas contas bancárias. Pode olhar o documento do meu carro. Pode revistar minha mala na alfândega.”
Porque nada em mim depõe contra mim.

Não é que eu seja perfeito. Eu não sou. Não sou modelo de ética. Mas eu tento todos os dias. Tento, não porque a lei manda. Mas porque eu sei que é o certo.

Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas do trecho do vídeo “Não é mais fácil ser fiel?” no canal Leandro Karnal Admiradores.

Confira o trecho: