Filósofo Fabiano de Abreu traz o seu ponto de vista para a questão da solidão, cada vez mais comum na sociedade, mesmo em meio a globalização e ferramentas como redes sociais e comunicadores instantâneos de internet

Apesar de todas as ferramentas tecnológicas, que prometem nos unir como espécie e sociedade, o ser humano parece estar cada vez mais isolado. Um estudo conduzido conjuntamente pelas Universidades de Harvard, da Califórnia, e de Chicago, pelo Dr. John Cacioppo, mostrou que pessoas solitárias costumam espalhar seu modo de encarar a vida a quem os cerca e que, após um tempo, esse grupo acaba se posicionando à margem da sociedade. Isto parece estar realmente acontecendo.

Sobre isso, o filósofo e estudioso do comportamento humano Fabiano de Abreu pondera que de fato podemos estar vivendo uma epidemia de tristeza, viralizada pela internet: “Como disse Renato Russo: O mal do século é a solidão. Cada um de nós imerso em sua própria arrogância. Esperando por um pouco de afeição. A verdade é que sempre esteve diante dos nossos olhos o que podemos chamar de mal e que vem chegando de forma rápida, ocasionando o que chamo de: “doença da tristeza”, e que se espalha na velocidade da internet como uma epidemia em nossos dias”.

No entanto, apesar de compreender e concordar com o estudo do professor Cacioppo, o filósofo refere que na verdade a solidão no atual contexto de sociedade vai na contramão do caminho trilhado até aqui pela humanidade: “A solidão no mundo contemporâneo é a contradição da uma realidade instintiva. Estamos criando uma cultura solitária, individualista, supostamente resultante da evolução, mas na verdade estamos causando um duelo com a nossa personalidade instintiva de sobrevivência e com tudo que fomos programados para ser ao longo das eras. A solidão é um contrassenso. Nós nascemos, crescemos, reproduzimos e morremos, isso está em nosso instinto, faz parte da nossa natureza, e para cumprir todos esses passos precisamos estar em sociedade. Logo, relacionamento é o principal motivo para estarmos vivos, ou o ciclo não continuará e nossa raça entrará em extinção.”

Fabiano argumenta ainda mais sobre o tema, tomando como base argumentos de outros filósofos, como Jean-Paul Sartre que acreditava numa solidão epistêmica: “Sartre acreditava que a solidão é parte fundamental da condição humana por causa do paradoxo entre o desejo consciente do homem de encontrar um significado dentro do isolamento e do vazio do universo. Eu acredito que não nascemos para viver sozinhos, e isso faz parte de uma certeza instintiva e inata. É fato que precisamos nos agrupar para sobreviver, desenvolver e cumprir nosso ciclo que está programado em nossa mente de primatas que somos, mente esse que está em conflito com a mente tecnológica e nos causando diversos transtornos e destruição”.

O filósofo também pondera sobre algumas das “soluções” dos nossos dias para a questão da solidão: “Hoje em dia existe até mesmo a profissão de “personal friend”, que para mim é como se fosse um psicólogo sem formação e disfarçado de uma pessoa comum. Uma profissão que deve ser vista com cuidado e que não pode ser confundida com um psicólogo de verdade, que é o verdadeiro especialista para casos que já possam trazer algo mais sério para a própria vida”.

Estatísticas apontam que em Portugal, mais de 13% das casas são de pessoas que moram sozinha, no Brasil mais de 15%. Países como Alemanha mais de 33%, Estados Unidos 28%, Noruega 33%, Reino Unido 32%. No Japão há quem paga para um companheiro apenas dormir ao lado. A solidão está na origem de uma série de patologias. Aumento de 26% do risco de morte prematura.

Fabiano de Abreu lista tópicos dos possíveis motivos para esta condição imposta pela pós modernidade aos indivíduos de nossa sociedade.

1- Liberdade excessiva.

Nunca fomos tão livres em toda a história da humanidade, para fazer o que queremos, para ir e vir. Mas a verdade é que a humanidade sempre precisou de alguém superior para controlar e impor um código moral e de conduta, inclusive a figura de um Deus. A liberdade excessiva pode, na verdade, impedirmos de ser plenos, pois as pessoas não sabem o que fazer com a tal liberdade.

2- Vergonha e timidez.

Estes dois itens podem ter a ver com baixa auto-estima e uma auto-imagem subestimada. A partir do momento em que se reconhece o seu próprio valor e talento, e que cada um é especial a sua maneira, perde-se a vergonha e a timidez. Não há diferença nas pessoas, sejam ricos ou pobres, e logo não há do que se envergonhar.

3 – Fragilidade dos laços afetivos.

Falta de tempo por causa do trabalho, necessidade de uma vida com melhores condições a frente das emoções. Precisamos ter tempo para dedicar a nossos filhos, pais e parentes para uma boa saúde mental.

4 – Cultura programada inconsciente.

Estamos programando uma cultura que combate a cultura instintiva, se é que podemos chamar assim. Nossa cultura hoje parece ser contra os nossos instintos mais básicos de sobrevivência. Isolar-se nunca garantiu a sobrevivência de nossa espécie.

5 – Orgulho moral.

Medo de interagir por insegurança ou preocupação com o que vão pensar. Segurança pessoal e auto-estima está ligado a interação social. Todos temos talentos, todo ser humano é especial e nunca inferior. Ter a certeza disso é complementar uma vida social.

6 – Querer estar só versus precisar estar com alguém (solitude e solidão)

A busca do equilíbrio é um desafio constante mas, como o que eu chamaria de “regra da vida”em que tudo tem que ser com moderação, temos que conseguir separar o “time(termo em inglês)” de nossos momentos e cotidiano. Estar em solitude é diferente de ser solidão. Todos precisamos de momentos sós para encaixar os pauzinhos e colocar pingos nos “is” de nossas vidas. Mas não confunda momento com estado fixo.

7 – Sentir-se só mesmo quando está entre outras pessoas.

Isso acarreta no que chamo de “doença da tristeza” que antecede qualquer uma das doenças patológicas ou que faz parte dela. Quando reconhecemos esse estado, precisamos usar dessa “solitude infinita” para que seja um momento.

8 – Ser tolerante.

Intolerância não só rima com ignorância mas faz jus a qualidade. Ser tolerante faz parte de um intelecto programado que resulta de forma positiva. Estar só por não tolerar os outros, também é uma forma egoísta de vida.

9 – Optar pela solidão e preferir pets.

Algumas pessoas, ironicamente, dizem que preferem seus animais de estimação do que a convivência com as pessoas. Na verdade, isso pode expressar o medo de serem traídas, ou de reviverem experiências ruins do passado em outros relacionamentos. Essas pessoas não querem ficar sozinhas, mas também não confiam em trazer para suas vidas uma outra pessoa, e ai optam por um pet.

10 – Solidão tecnológica.

Assim como bebés não comem se não forem alimentados, não construímos muros sozinhos. Não comercializamos sem alguém para comprar, não adoecemos sem um médico para ajudar. Ficar preso em um lugar interagindo com pessoas online e olhar para o lado e se ver sozinho, é uma solidão por traição de si mesmo.

Artigo por disponibilizado por Fabiano de Abreu ao Provocações Filosóficas.