As redes sociais como outros elementos constituintes da contemporaneidade são profícuas em produzir falsas impressões. Talvez a principal delas – e veja bem não se trata da única – seja a de fornecer companhia virtual em meio a um ato eminentemente solitário como o da navegação pela web. Com tantas pessoas supostamente interagindo ao mesmo tempo, expondo suas fotografias para nós como só os íntimos faziam há algumas décadas atrás, deixando claro aquilo sobre o que concordam ou discordam, descrevendo a sua rotina nos mais ínfimos detalhes e construindo um painel de suas preferências, é fácil confundir o espaço da rede com o dia a dia real. De certa forma essa intercambialidade não é tão assustadora, pois os tuites e posts que fazemos não destoam tanto de fatos e credos para os quais nos inclinamos. Porém sustento que ainda é preciso manter uma separação saudável entre a pseudo esfera pública dos dados e os espaços públicos concretos onde construímos nossas relações mais importantes.

A quantidade de indivíduos que seguimos ou que se tornam nossos amigos permite a formação de um olhar menos ou mais amplo sobre círculos paralelos de interação ao nosso circulo social propriamente dito. Com isso quero dizer que as redes sociais autorizam o “contato do olhar”, aquele que se assimila a experiência de Stanley Milgram, realizada em Nova York (1972), que partia do lugar onde os sujeitos pegam o metrô diariamente: a estação. Nela esses homens e mulheres se veem uns aos outros (com pequenas variações do grupo), ficam curiosos para conhecer um pouco mais alguém, mas na prática desconhecem o nome de quem senta ao seu lado na condução e tampouco sabem seus laços e hábitos. A diferença com relação a esse ambiente no que toca às redes, é que muitas vezes nós sabemos o nome, parcelas segmentadas da vida e até o endereço de quem “stalkeamos”, mas curiosamente isso não faz com que de fato as conheçamos. O que se cria é no máximo uma certa imagem, um estereótipo. O bufão, o surfista, o sujeito politizado etc. etc. O casal feliz, a mãe amorosa etc. etc.

Mas o pior de tudo é que há a sensação de que estamos cercados, estando sozinhos. Cremos fazer parte de uma teia muito maior que nós, que nos integra, que nos é necessária, que passa a fazer parte do nosso convívio, que nos fornece uma dependência similar aquela que temos por exemplo de parentes e vizinhos. Precisamos saber a continuidade das histórias de vida trilhadas e que nos são oferecidas em episódicas doses. Criamos assim empatia, quem sabe até raiva. Sometimes indifference. Por quem sequer nós vimos alguma vez na vida. Se antes era preciso viajar ao Rio ou a Lisboa para conhecer cariocas e lisboetas, nós agora sabemos como os habitantes dessas cidades riem ou choram, afinal nós podemos busca-las na barra de contatos utilizando o critério “lugar”. Se antes era obrigatório falar com “fulano” para descobrir o seu ofício, hoje ele está exposto como ferida aberta no “Insta”. Por outro lado, se antes se sofria por nunca mais podermos ver quem de nós está distante (havia a chance de um telefonema ou carta), hoje dá até pra copiar a foto dos “amados” e por como papel de parede. Seria a vitória da civilização técnico informacional ou a completa banalização do afeto? Afinal aqui há vantagens, mas as desvantagens acabam por pesar. Quais seriam essas? Vou listar quatro.

A primeira é a confusão entre privacidade e publicidade. As redes rompem com aquela fronteira sutil que demarcava o “privado”. Em maior ou menor medida, todos nós entramos em uma disputa de narrativas nesses espaços; nos sentimos provocados a mostrar em quais tendências embarcamos, nossos gostos prediletos, nossas idas e vindas. Com isso viramos objeto fácil para estratégias políticas e de consumo, que correm a despeito da tentativa de regular essa infinidade de informações no intuito de proteger usuárias e usuários. Deixamos de ser pessoas para ser pontos esfumaçados. A segunda é a agudização dos problemas de saúde mental. Não é preciso contestar essa afirmação, tachando a de especulação. Há indícios científicos que comprovam que as redes, principalmente aquelas que permitem o compartilhamento de fotos, são arenas onde os indivíduos deixam claro o tipo ideal e não o tipo empírico do que realmente significam as suas vidas. Isso gera um simulacro generalizado de felicidade e a competição para ver quem preenche melhor o vazio da existência. A terceira, argumento, é a ideia equivocada de que nós estamos exercitando nossa liberdade de expressão e influenciando (mesmo sem sermos figuras públicas) os destinos da coletividade. Redes sociais são empresas que cedem um espaço comercial para que falemos e nos mobilizemos limitadamente. Se desistimos das formas tradicionais de reivindicação e admitimos que o exercício da liberdade está atrelado a corporações, o que estamos fazendo é nada mais do que renunciar a nossa autonomia enquanto cidadãos. A quarta é o fato de que acabamos nos encerrando em “bolhas” e a promessa da internet de nos dar uma visão do todo se esvai, desertificando a pluralidade em nome da satisfação mental.

Em suma, o que se gera é um quadro de anomia potencial, onde o indivíduo se sente parte dos micro espaços da web, mas muitas vezes se vê como incompatível ou desajustado com as superficialidades e restrições expostas; uma maior dominação por parte dos mecanismos de controle; uma bulimia informacional, na qual não há tempo para os sujeitos acompanharem o ritmo dos acontecimentos dos feeds – tornando triviais os conteúdos – e uma circulação exagerada de opiniões, que se passa por um debate público efetivo, quando na verdade é uma troca de palavras entre iguais, que não resulta em sínteses coerentes, mas na reafirmação radical daquilo que acreditamos ser o necessário e o correto. Em tempos nos quais os discursos de ódio se proliferam e se fortalecem significativamente via estrutura funcional das redes, já não é mais possível ter o mesmo otimismo de anos atrás. Sem dúvida, elas nos aproximaram e deram certas possibilidades de facilitar a vida cotidiana, reduzindo gastos e tempo. O contato direto também se tornou mais flexível. Entretanto, quando paramos para pensar vemos que já estamos em meio a realização da distopia de Orwell na medida em que não nos alertamos sobre a diferença entre o real e o virtual. Quem deposita nossas frases, monta um perfil sobre nós. Nos tem em mãos. É senhor e autoridade de nossos passos. Pode parecer que não, todavia o capitalismo se reinventou e se hoje é possível esvaziar a verdade de seu conteúdo verdadeiro, a beleza de seu conteúdo belo, a emancipação de seu conteúdo emancipatório, também estamos em uma quadra onde o totalitarismo vem de novas maneiras, sem que sintamos as dores, felizes atrás das câmeras.

Recomendações Cinematográficas

Título: Happy End

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Ano: 2017

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Título: Aos Teus Olhos

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Gênero: Drama

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