
Ivan Capelatto em sua palestra no Café Filosófico, faz uma reflexão sobre o casamento, narcisismo e a luta entre o ideal e o real, ele questiona o que realmente significa amar e conviver com os outros e propõe uma visão profunda sobre como superar as expectativas irrealistas e abraçar a humanidade do outro, mesmo diante das dificuldades da vida. Leia a baixo a transcrição adaptada da do trecho da palestra.
Gabriel García Márquez diz que “todo dia nós temos que nascer”. Cada dia existe uma angústia do passado que não foi resolvida e uma angústia nova que sabemos que também não vamos resolver. Eu resolvo problemas, mas não resolvo angústias. Nenhum analista me ensina a suportar minhas angústias. Ele não resolve, ele não resolve.
Eu trocaria o jeito de fazer as coisas na nossa cultura. Imaginaria, por exemplo, que alguém como eu, com muitos psicólogos, historiadores e antropólogos neste país — muita gente que sabe disso que estou falando — poderia falar sobre isso nas escolas, em cursos de noivos (não sei se ainda existem). Precisamos discutir isso. Entender que o encanto do casamento se quebra quando o narcisismo acaba.
Quando a onipotência acaba, eu percebo que eu não consegui fazer meu marido parar de beber. Mas quem bebia não era meu marido, era meu namorado. E eu não consegui. Agora, veja bem: fiz uma escolha, e esse pacote é horrível. Um sujeito que fuma, peida, bebe e joga no domingo, e antes disso era uma gracinha. O barulhinho que ele fazia com a bunda era uma gracinha, ele pegava como ninguém, e hoje eu não suporto isso. Essa diferença entre o narcisismo e o real, entre o narcisismo e o princípio de realidade, é o que precisa ser dito.
As pessoas tentam. Podemos ser românticos, claro, mas lembremos que todos os românticos — todos os escritores românticos — foram extremamente solitários e morreram muito cedo. Outro dia eu lembrava, não sei se foi aqui no café, sobre Augusto dos Anjos, um poeta mórbido, que falava de romance com a mulher do outro, com a mulher morta, com a mulher que não existe mais, com a mulher objeto perdido.
O que são os romancistas? São sujeitos extremamente solitários que usavam o romance sublime. Mas nenhum deles fez romance com a esposa ao lado, porque se o fizesse, o romance acabaria. O romântico não pode ter fim, não pode ter esposa, nem vínculo com ninguém. Talvez um cachorro de pelúcia, mas não pode ser romântico.
O romântico é um sujeito que vive fazendo escolhas o tempo todo e se livrando rapidamente das escolhas que fez. E aí entramos numa coisa que Freud chamava de instinto de morte: não ficar com a escolha. Eu escolhi uma coisa. No auge da vantagem, eu a dispenso para evitar o desprazer, para não entrar na angústia. Isso gera uma doença gravíssima, que são as neuroses e as angústias.
“Até que a morte os separe”. Mas que morte é essa? A morte do narcisismo. Então, é possível sobreviver ao casamento? Qual é a mágica? Saber que o outro é apenas um sujeito humano, que vive com dúvidas e angústias, com medo da morte, da morte do filho, da doença, da política, do ladrão, da fome, da pobreza, até do pernilongo. O narcisista não sente isso. O narcisista não sente fome. Ele se apaixona, ele nem sente fome. Então, até que a morte do narcisismo separe, vocês não serão capazes de passar para a realidade.
Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas do trecho da palestra de Ivan Capelatto para o Café Filosófico.
Confira o vídeo:
A todo momento somos obrigados a fazer escolhas, e a cada dia nos tornamos pessoas mais angustiadas pelas escolhas que fazemos. Uma das coisas mais difíceis é nos manter seguros no caminho que escolhemos, pois pelo que parece, independente do que escolhermos sempre vamos querer algo diferente.
Ivan Capelatto é psicólogo clínico e psicoterapeuta de crianças, adolescentes e famílias. fundador do grupo de estudos e pesquisas em autismo e outras psicoses infantis (gepapi), e supervisor do grupo de estudos e pesquisas em psicopatologias da família na infância e adolescência (geic) de cuiabá e londrina.
Mestre em psicologia clínica pela puc-campinas, é professor convidado do the milton h. erickson foundation inc. (phoenix, arizona, usa) e professor do curso de pós-graduação da faculdade de medicina da puc – pr. Autor da obra “diálogos sobre a afetividade – o nosso lugar de cuidar”.