Nós como seres humanos ansiamos que todos os nossos dias possam ser bem coloridos. Desejamos hora após hora que nossos sonhos se realizem, que nossas paixões se concretizem ou que algo fabuloso aconteça e transforme as nossas vidas em algo que nunca sonhamos antes.

Observamos os alguns a nossa volta e pensamos “é essa a vida que eu quero viver”.
Porém não enxergamos o que existe entre as entrelinhas. Não percebemos o valioso que tornou aquela vida desejável.

Passamos a agir em certo momento em uma espécie de piloto automático, onde as engrenagens são ligadas pela manhã e simplesmente fazem algo acontecer. Algo que já nos acostumamos, algo que perde a cor e torna-se somente rotina. Nosso trabalho, nosso almoço, nossos amigos, nossa devoção, nossa leitura, nossa risada, e até a gente com a gente mesmo, torna-se automático.

Deixamos tudo ligado e desligamos nossa coerência e nossa esperança.
No entanto o piloto automática as vezes perde o controle e se choca com alguma coisa e nosso mundo desaba.

Nossa cor se perde, nosso chão falha, as lágrimas são inevitáveis, nossos amigos já não são tão amigos assim, nosso almoço perde o sabor, nossos prazeres desaparecem e nossa devoção é testada.
Testados ao máximo.
Espremidos ao limite pelas circunstâncias.
Somos levados a beira de abismos tentadores que nos gritam “PULE. ASSIM TUDO SE RESOLVERÁ. ACABE COM TUDO”.

Ficamos em preto e branco. Nossa cama é magnetizada e atraí a pedra de ferro que nosso coração se tornou. A luz do dia não nos agrada mais e a alegria dos outros perde todo o sentido para nós.

O piloto automático foi destruído e nada mais te faz engrenar de manhã e mesmo tentando desligar o pouco de energia que sobrou, a noite não existe sono e muito menos sonhos.
A ansiedade vira rotina e nossos desesperos são desproporcionais.

Nossa angustia é um pedaço de bolo mal engolido que fica parado na garganta.
Nosso choro é comum, faz parte dos nossos minutos.
Nossa escuridão é aconchegante e definitiva.

Algumas palavras, algumas pessoas, algumas vozes, alguma orações, algumas pílulas são oferecidas, sem valor.
Existir para qual sentido?
Existir em que sentido?

Você perdeu. Algo deu errado em algum momento e tudo se atrapalhou e você não sabe mais quem é quem e muito menos quem é você.
As pernas bambeiam em pensar em certos assuntos e alguns abraços deixaram de existir.
Amor é uma lembrança estranha, e sorrir está fora de cogitação.

No entanto algo precisa ser pensado… a decisão é minha em certos assuntos, e quando o assunto sou eu mesmo, preciso prestar mais atenção.
Nada se resolve em apenas alguns dias que passam, porém os dias passam… o tempo muda junto de você, e toda a vida que você tinha a sua volta se transforma em algo inusitado e um novo cotidiano se apresenta.

Coisas velhas precisam ser enterradas, queimadas, jogadas literalmente no lixo. Amigos devem ser esquecidos, pois eles perderam essa qualificação. O quarto precisa mudar de lugar e finalmente é hora de levar o cachorro para passear de novo e você fazer a barba.
Continue com seus amparos farmacêuticos, enquanto for necessário, mas não os torne muletas emocionais. Experimente sorrir amarelado primeiro e a retirar da estante aquele livro que você não colocou mais os olhos. Abra a janela, faz bem mesmo, lá fora tudo continua a mesma coisa, mas dentro de você algo diferente pode estar acontecendo se você permitir que a dor lhe ensine alguma coisa mais tolerável.

E por favor, se afaste do abismo, ele é extremamente atraente, mas não é confiável. Não se sabe o que tem lá, nem como as coisas ficaram do lado de cá caso você pule. Sente a beira dele e chore, suas lágrimas si, você deve arremessá-las lá dentro.
Assassine-as.

Depois de algum tempo permita-se levantar, caminhar devagar, se alimentar aos poucos, comer um chocolate, forçar um sorriso mais convincente, e perceber que nenhum martelo foi batido ditando “está terminado”.

Você ainda existe. A vida como você conhecia, essa sim não existe mais. Agradeça.
Movimente-se mesmo com imensas dores embutidas em dezenas de locais, mas perceba que o seu agir, mesmo que seja mínimo, já te deu novas possibilidades. E sempre, sempre saiba que existe alguém por perto que vale a pena a gente olhar nos olhos.

Nossas feridas começam então a cicatrizar e essas marcar vão ficar por ali, para nos lembrar de quem éramos antes e da pessoa que nos tornamos hoje.
Sobreviventes sempre tem histórias mais interessantes para contar. Seja um deles.
Abraços sempre.