A segregação é um dos traços mais desumanos que possuímos, pois ele cria determinismos inexistentes e não permite que a conexão entre os homens, imprescindível para o desenvolvimento do ser em seus diversos aspectos, aconteça. Ao contrário do que pode se pensar, a segregação não ocorre somente em Estados totalitários ou talvez ocorra somente nestes, o que nos permite concluir, retificadamente, que existem traços totalitários no reino pseudodemocrático que habitamos.

A desigualdade social mais do que determinar a diferença entre classes sociais, evidencia os muros que separam a “camada superior” da “camada inferior”. Os termos baumanianos descrevem a separação e exclusão permanentes sofridas pela maior parte da população, a qual, embora seja maioria, é tratada de forma sub-humana, tendo seus direitos básicos suprimidos e/ou não consubstanciados por um sistema que, em regra, deveria garantir condições mínimas (mínimo existencial) para o seu desenvolvimento.

Entretanto, a realidade material difere e muito da realidade formal encontrada nas ficções jurídicas. Isso ocorre por estarmos imersos no Estado Democrático do Dinheiro, no qual os direitos deixam de ser direitos e passam a ser encarados como produto, de tal maneira que para que o indivíduo seja considerado um cidadão (possuidor de “direitos”), deve, necessariamente, possuir condições materiais de adquirir tal status. Desse modo, a democracia torna-se um reino estrangeiro para os pobres, o qual é visitado carnavalescamente por estes e, ainda assim, sob enorme vigilância. É assim que asseveram Bauman e Ezio Mauro em “Babel – Entre a Incerteza e a Esperança”:

 

“Os excluídos, porém, vivem de fato às margens da democracia – eles só tiram, materialmente, de uma pequena parte dela – fora isso, consideram-na um reino estrangeiro, estéril e retórico. ”

 

Essa desigualdade, produzida dentro dos centros urbanos, segundo Milton Santos, produz uma espécie de exílio na favela, um lugar onde o Estado não vai, exceto de modo coercitivo, e do qual os periféricos não devem sair. Ou seja, a periferia perde a sua integração com o resto da sociedade, embora seja culpabilizada pela maioria dos problemas produzidos por uma sociedade que nem a considerada como parte integrante.

Sendo assim, em uma sociedade/Estado em que o valor humano e a cidadania são reduzidos a quantificação econômica, o pobre deixa de ser humano, bem como, passa a ser um ex-cidadão, segregado, excluído, sabotado, enganado, coisificado e, ainda, ludibriado pelas promessas de inclusão de um sistema que o oprime e o repudia.

 

“Ex-cidadãos que não têm mais identidade, indivíduos que não projetam nenhuma sombra social, não deixam nenhuma pegada política em pleno meio onde vivemos. ”

 

Para o ex-cidadão não há sentido de lugar, de tempo, de identidade, de pertencimento; ele é um “destroço de um naufrágio”, é algo que deve ser jogado fora e ficar permanentemente excluído. É um invisível social, um pária, lutando pelas migalhas oferecidas como se fossem um favor por aqueles que estão com a mesa abarrotada de comida.

Dessa forma, encontramos não só resquícios, mas traços fortes de totalitarismo em nosso Estado, que se apresenta como uma plutocracia mascarada de democracia, a fim de atender tão somente os interesses dos poderes econômicos, em uma aproximação de capitais e uma separação de homens. E, o pior, é que muitos são vetores e reprodutores desse sistema que se apresenta como farsa, pois é muito mais fácil dar ouvidos ao opressor do que ser a voz do oprimido.

Assim, o sistema permanece cínico, mentiroso, excludente e violento, típico de um Estado governado pelo dinheiro, que exclui a própria sorte, todos aqueles que por algum infortúnio não possuem a sua declaração de homem e de cidadão ou a sua carta de alforria, ainda que para ambos os casos seja necessário uma quantidade enorme de dinheiro.