Embora a vastidão do universo possa nos deixar completamente maravilhados, na maior parte do tempo, nos lembra quão minúsculos e finitos somos ante uma imensidão sem fim. Entretanto, o problema em si, talvez não esteja no tamanho do universo, e sim, na forma como vivemos nele. Para constatar isso, bastaria que as estrelas do céu fossem olhadas. Desse modo, verificaríamos que elas, por mais diferentes que sejam, estão agrupadas, usando cada uma a sua luz para iluminar a imensidão escura que nos cobre. E nós, de forma contrária, somos estrelas que solitariamente vivem. Amedrontadas com a escuridão que nos circunda e torna evidente a indiferença peculiar de todos os dias.
Vivemos como se fôssemos os únicos a pisar na terra. Andamos na rua, com pressa, bastante pressa, com o olhar fixo à frente, sem cometer o “deslize” de olhar para o lado. Olhos fixos, ensimesmados. Olhos fixos, que pouco enxergam e pouco sentem. Olhos fixos, como pinturas que demonstram corações ocos e almas tristes. Tristeza profunda, que exercita em nós uma força absurda para baixo, para os longínquos lugares de depressão. Mas, parece que nada disso nos incômoda a ponto de decidirmos mudar e virar um pouco a vista, para que possamos sentir a humanidade que tanto nos falta.
Talvez, já nem consigamos nos incomodar. Está tão impregnado em cada célula do nosso existir, em cada segundo do tempo que respiramos, que viver bem é ser indiferente, egoísta, cego para os outros; que a nossa capacidade de se incomodar, de sofrer, de questionar, de mudar, de olhar para além de si, deve ter sido expurgada do nosso domínio genético.
E, assim, preferimos continuar morrendo a cada dia: em silêncio. Ainda que não precise, já que ninguém consegue escutar o que vem do outro. Ninguém escuta, fala, responde, dialoga. O poeta que outrora disse que somos diálogos, hoje, diria que somos silêncios, que se entrecruzam sem se ver, sem se notar, sem se perceber, sem se importar. Mas, continuamos, apesar de toda tristeza que deixa a nossa alma a soluçar pelo insuportável frio que encontramos nas ruas.
Continuamos e perpetuamos um sistema de desvínculos, de indiferença, que nos torna ocos, inóspitos, solitários e profundamente desumanos. Um sistema que realça a nossa finitude e retira a capacidade de fazermo-nos divinos. Porque para que possamos sentir que aqui não estamos sós é preciso ser mais que um. É preciso sentir que as palavras são lançadas para o outro, a fim de tocá-lo, abraçá-lo e juntar os pedacinhos que foram condenados a viver separados.
É somente no contato com o outro que nos formamos, que somos gente. O divino, que nos faz sentir mais do que “uma infinita solidão no universo, uma ridícula partícula de pó, alguma coisa além de um momentinho fugaz”, só é possível se o nosso olhar estiver despregado de nós mesmos, para que possamos enxergar as pontes que nos ligam, mas que – constantemente – vivem abandonas ou cercadas por muros.
A indiferença mata o outro, mata-nos. A cada instante, em cada esquina, em cada casa, em cada olhar inseguro, em cada alma cansada, em cada lágrima que cai, como um estilhaço que perfura e retira todo ânimo do nosso peito. A dor do outro é a nossa dor, a sua alegria é a nossa alegria, pois a sua humanidade é o que permite que a nossa exista, assim como, uma estrela precisa das outras para formar uma constelação e dar ao céu a luz necessária para que possamos nos banhar. Pena, é que estamos com cada vez maior dificuldade para perceber que também somos poeira estelar e que, portanto, sem a luz que existe no outro, estamos fadados a viver na escuridão completa, se bem que ela parece já existir com o frio nome de indiferença, que, ao percorrer os nossos espíritos, tem nos levado a cair e a transformar a nossa humanidade em completa ruína.