
Em um trecho da entrevista ao programa Face a Face com Adriane Galisteu, Leandro Karnal aborda o casamento como uma escolha complexa, que exige maturidade, autoconhecimento e disposição para o crescimento mútuo. Ele também explora a diferença entre homens e mulheres na vivência emocional, destacando a maior autonomia afetiva e emocional feminina como um dos motivos pelos quais são elas, em maioria, que encerram os relacionamentos. Confira a transcrição do trecho.
O casamento é uma proposta muito específica, quase como tocar oboé — exige preparo, prática e uma vocação particular. Existem pessoas que casam porque gostam da ideia do casamento, encontram amparo nessa complementariedade do casal. Quando duas pessoas — sejam um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres — decidem se casar, esse gesto é um ato de complementaridade. Exige maturidade, entrega e um tipo de prazer que as mães, por exemplo, desenvolvem com facilidade: o prazer de se negar a algo em favor da felicidade do outro. Essa capacidade de compaixão é também parte da felicidade.
O casamento dá certo quando se torna um desafio contínuo para o crescimento mútuo. Ele se enfraquece quando vira uma zona de conforto — quando a relação se transforma em abrigo emocional, os gestos perdem erotismo, o beijo se desloca da boca para a testa, e a parceira vira “mãe”. É aí que se abre espaço para o colapso erótico.
E quanto à traição — ainda atormenta as pessoas em 2017? Depende da cultura, do sistema de valores. A sociedade francesa do Antigo Regime, por exemplo, lidava de forma mais aberta com isso. Mais do que o ato em si, a traição depende da “gramática” do casal: pode significar buscar outra pessoa ou pode ser uma forma de sabotar a própria relação, mesmo sem contato externo.
A definição do que é traição e o que é liberdade é construída pelo casal. Alguns são felizes na fidelidade, outros com uma terceira pessoa envolvida, e há ainda os que têm casamentos abertos — como Simone de Beauvoir e Sartre. Um casal pode ser feliz ou infeliz de muitas formas. O que importa é que seja acordado entre as partes. No belíssimo filme Flores Raras, o amor entre a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares e a poeta americana Elizabeth Bishop é um exemplo de relação que, mesmo com suas dificuldades, trouxe crescimento mútuo. Lota criou o Aterro do Flamengo; Bishop ganhou o prêmio Pulitzer. Uma desafiava a outra a ser melhor.
Mas o casamento precisa ser para sempre? Precisa durar até as bodas de carvalho, na saúde, na doença, na riqueza, na pobreza? Não necessariamente. Depende do casal. Para alguns, o casamento é uma vocação, quase uma missão de vida. Eu conheço pessoalmente dois casais realmente felizes. Apenas dois — e conheço milhares de pessoas todos os dias. Esses casais foram feitos um para o outro, nasceram talhados para a vida a dois.
Curiosamente, o casamento é uma proposta majoritariamente feminina. A cerimônia, o projeto, o desejo de construir um lar — quase tudo gira em torno da mulher. O homem é um convidado importante, mas muitas vezes coadjuvante. E o mais curioso: segundo dados de 2010, 75% dos divórcios litigiosos no Brasil foram iniciados por mulheres. Elas saem do casamento por falta de amor; os homens, geralmente, só saem quando surge um novo amor.
O homem médio busca conforto: comida, sofá e televisão. Isso basta para ele chegar às bodas de ouro. As mulheres, por outro lado, querem conversar, dançar, discutir a relação. Elas desejam construir a felicidade, não apenas habitá-la. Trabalham melhor com o corpo, vão ao ginecologista desde cedo, aprendem a lidar com emoções com mais liberdade. Choram sem medo. Os homens, mesmo com vontade de chorar, se contêm.
As mulheres se permitem o afeto de forma mais aberta: dormem juntas, conversam, se abraçam. Homens têm medo desse contato íntimo com outros homens. Somos uma sociedade com pestes emocionais, como diria o psicanalista Roberto Freire ou mesmo Gaiarsa. E, infelizmente, no Brasil, o trato feminino com a afetividade ainda é muito mais desenvolvido e resolvido do que o trato masculino.
Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas da participação de Leandro Karnal no programa Face a Fade com Adriane Galisteu.
Confira na íntegra: