
“O Brasil não tem povo, apenas público. Povo luta por seus direitos, público assiste de camarote”, escreveu Lima Barreto no início do século XX. Mais de cem anos depois, a frase ainda ecoa como denúncia. Afinal, quantos brasileiros de fato se reconhecem como agentes de transformação? Quantos se percebem parte de um corpo político que deve decidir os rumos do país? Ou será que continuamos preferindo o lugar confortável da plateia, observando o espetáculo da política como se não estivéssemos nele implicados?
A cada novo escândalo de corrupção, a cada lei aprovada às pressas, a cada crise econômica que empobrece a população, repete-se o mesmo ritual: indignação momentânea, comentários nas redes sociais e, logo em seguida, esquecimento. A realidade é tratada como capítulo de novela. Mas não é ficção: são direitos retirados, vidas precarizadas, oportunidades destruídas. A pergunta que se impõe é inquietante: por que nos comportamos como espectadores quando somos os personagens mais afetados pela trama?
Talvez porque seja mais fácil assistir do que agir. Mobilizar-se exige consciência crítica, união e disposição para o confronto, qualidades raras em uma sociedade que, ao invés de se fortalecer coletivamente, se fragmenta em extremismos estéreis. O brasileiro é levado a acreditar que o inimigo é o vizinho que pensa diferente, enquanto o verdadeiro poder continua blindado nos bastidores. E assim, distraídos pela polarização, deixamos de encarar o essencial: quem decide sobre nossa vida não somos nós.
Chama atenção também a chamada “resiliência” nacional, celebrada como virtude, mas que pode ser uma armadilha. Resistimos a tudo, suportamos qualquer golpe, sobrevivemos a qualquer desgraça. Mas o preço dessa resistência é a imobilidade. Transformamos a capacidade de suportar em desculpa para não agir. E a energia que poderia incendiar mudanças históricas se esvai em manter-se inerte, em continuar de pé mesmo quando a casa já está em ruínas.
É por isso que a provocação de Lima Barreto permanece atual: até quando o Brasil será apenas público? Até quando suportaremos assistir de camarote a nossa própria ruína? A verdadeira revolução não exige heróis isolados, mas um povo desperto, capaz de perceber que a guerra não está em terras distantes, mas à sua porta. Enquanto não assumirmos essa consciência, permaneceremos o país da plateia, resiliente na dor e passivo diante da própria história.