Ela esperava por um luto, afinal, é o que se espera após a ruptura de um relacionamento com um tempo de convivência considerável. Se o fim de um namoro já é capaz de nocautear as emoções de alguém, o que esperar, então, de um divórcio? Contudo, ela percebeu algo estranho ao se perceber ali, em seu quarto, sem aquela aliança. Ela procurou aquele vazio tão previsível que acompanha as pessoas nas separações. Ela se preparou para angustiar-se ao se perceber sozinha naquela cama de casal, mas, nada disso aconteceu. Pelo contrário, havia uma cama espaçosa em que ela podia mover-se sem restrições e sem censura. Havia ali, um quarto inteiro para uma mulher que viveu, por um longo período, as suas noites pelas metades.
Ela sentiu-se estranha, com um quê de culpa por estar tranquila, entretanto, continuou na expectativa de viver o luto, o vazio e a saudade. Ela chegou a pensar que estivesse vivendo algum mecanismo de fuga, uma espécie de máscara dos sentimentos e que, a qualquer hora, se depararia com aquele sentimento devastador que, no geral, assola os corações divorciados.
Contudo, os dias foram passando, e ao contrário do que se esperava, ela estava cada dia mais serena, mais tranquila e mais apaixonada pela própria companhia. E a realidade veio à tona, a “ficha caiu”. Ela se deu conta de que vivia uma solidão a dois. Ela já era sozinha, ela não tinha uma companhia efetiva, tampouco afetiva. Ela apenas dividia a cama com um corpo masculino, que deitava ao seu lado, dormia e levantava todas as manhãs apressadamente, sem ao menos dar-lhe “bom dia”. Ah, não era um corpo qualquer com o qual dividia a cama, era um corpo que negava abraços e afagos àquela mulher ávida por carinhos e toques.
Era uma companhia cujos ouvidos nunca estiveram interessados em ouvir os desabafos, as risadas, tampouco o choro dela. Honestamente, acho que o que eles tinham em comum eram apenas os nomes na certidão de casamento, o famoso casamento de “papel passado”. Ela sentia falta de um casamento de almas, ela sonhou com isso desde a adolescência. Ela queria uma união onde fosse possível aquela comunicação apenas pela troca de olhares. Ela desejava abraços que lhe envolvessem a alma, pois abraçar o corpo qualquer um consegue.
Ela queria ser admirada além dos seus atributos físicos, ela queria alguém que olhasse a beleza que ela traz na essência mesmo naqueles dias em que ela foge do espelho.
Ela sonhava com entrega sincera e acolhimento, as senhas que abrem o cofre que guarda o tesouro da mulher que ela é. Contudo, nada disso ela viveu com ele. Tudo era muito regrado e cronometrado. Tudo vinha a conta gotas para a mulher que transbordava intensidade. Quando ela deu por si, estava diagnosticada com desnutrição afetiva, um quadro grave, quase irreversível. Uma espécie de falência de múltiplas expectativas sentimentais. Sorte a dela que o diagnóstico foi feito a tempo de ela buscar providências.
Ela optou por retirar o nome daquele documento que o cartório emitiu um dia, perante alguns convidados. Ela percebeu que o carimbo que ratificava aquela união no civil, não tinha poder de unir duas almas. E cá pra nós, quem a conhece sabe o quanto ela é avessa à hipocrisia e superficialidade. Do que adiantava um status de casada e uma realidade de solidão e frustração? Questionava ela.
Ela constatou que não fazia sentido ter o dedo anelar esquerdo ostentando um anel de ouro enquanto o coração vivia choroso, melancólico e sem adorno algum. Ela chutou o pau da barraca e disse “sim” à própria dignidade. Dignidade para não aceitar migalhas de afeto e de não aceitar menos do que ela merece. Dignidade para não viver de forma contrária ao do que a alma dela acredita.
Ela percebeu que nem toda ruptura é dolorosa, pois para doer é necessário um vínculo de alma, ainda que discreto. Ficou claro para ela que eles não se pertenciam e que aquela certidão de casamento era uma formalidade completamente dispensável diante do que ela deseja viver…e vai viver.
Por fim, ela assimilou que ter um marido é uma coisa e ter um companheiro é outra coisa completamente diferente. O título de marido e esposa, um tabelião pode conceder a qualquer casal que se dispõe a ir a um cartório com essa finalidade. Em contrapartida, o título de companheiro(a) é concedido pelo amor sem reservas e pela vontade de ser e fazer o outro feliz. Ainda não habilitaram um tabelião a fazer casamento de almas, e é esse casamento que interessa a ela.
O divórcio não a machucou, pelo contrário, devolveu-lhe a inteireza de antes, a liberdade de sonhar e a certeza de que casou-se por equívoco. Por fim, oficializou-se a separação dos corpos uma vez que, no quesito almas, eles nunca trocaram um “oi”. Nada melhor do que a sensação de ter tomado a decisão certa, revela sua alma.