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Confira abaixo a transcrição de um trecho da palestra de Mario Sergio Cortella com o tema: “Vida e Carreira, um equilíbrio possível?”. No trecho Cortella fala sobre a diferença entre cansaço e stress.

“Não confunda cansaço com estresse. Cansaço resulta dum esforço intenso. Estresse resulta dum esforço do qual você não entende o sentido – você não entende o porquê o está fazendo. Jogar uma hora de futebol cansa, mas não estressa. Brincar de pique ou de esconde-esconde durante duas horas cansa, mas não estressa. Dançar a noite inteira cansa, mas não estressa. Tr*nsar cansa, mas não estressa. Não confunda cansaço com estresse. O cansaço é curado com descanso. Estresse você só cura mudando sua vida, seus objetivos e o que você está fazendo.

Preparar o almoço para a família no dia de Natal dá um cansaço imenso, mas, ao servir a ceia naquela mesa bonita, você está cansada e feliz! Tanto que você preparou isso durante dez dias e se comeu tudo em meia hora. Porém, se você não vê sentido nisso que estava fazendo, você sai da ceia de Natal dizendo: “Nunca mais eu vou fazer isso de novo. Não quero mais saber de Natal. Detesto o Natal. Vou viajar, não quero ver ninguém o ano que vem”.

Na atividade docente, na atividade do legislativo, na atividade da guarda municipal, na atividade dentro de um hospital, na atividade da estrutura de gestão administrativa do executivo e do legislativo você pode ter – claro, e tem – momentos de cansaço. Mas se você começa a ter muitos momentos de estresse, você está perdendo a razão da atividade que faz.

Quando chega o final do ano, do dia 31 para o dia 1º, eu pego uma folha de papel sulfite e dobro-a no meio para ela ficar com um risco. Do lado esquerdo, escrevo “Apesar de” e, do lado direito, escrevo “Por causa de”. Aí eu escrevo, no alto da folha, assim: “Continuo casado, depois de décadas, com a Janete, apesar de, às vezes, a gente discutir, apesar de ter encrencas, apesar…”. Depois eu faço outra lista: “Por causa de: porque eu a amo, porque ela é minha parceira de vida, porque nós temos uma história, um projeto…”. Se todas as vezes que você fizer uma lista dessas para qualquer coisa e os seus “apesares” forem mais numerosos do que os “por causa de” tem algum problema – se você tem mais “senões” do que razões tem alguma coisa errada.

Imagine que você atue profissionalmente em determinada área há dois, dez, vinte e sete ou trinta anos. Por que você faz isso? É só um emprego? Se for só um emprego, cuidado com o fato de você poder ficar estressado, se é que já não o está. Se for mais do que um emprego, isto é, se for fonte de vida, que é o seu modo de se colocar na cidade, no trabalho político e na atuação de cidadania, pode ser que você fique cansado ou cansada – aliás, espero até que o fique –, mas você não vai desanimar. Quando você desanima? A palavra “desanimar” significa perder a alma e a vitalidade. Nós desanimamos quando achamos que estamos aqui só de passagem: “Eu vou ver e, quando der, eu arrumo uma coisa melhor e vou embora”.

Claro, você e eu podemos ter ambição. Não confunda ambição com ganância (ambicioso é aquele que quer mais; ganancioso é aquele que quer só para si a qualquer custo). Ambição é uma qualidade, já a ganância é um vício. Por exemplo: eu quero mais capacidade, mais conhecimento e mais condição de vida, mas eu não quero ser ganancioso, não quero só para mim a qualquer custo. Você pode, sim, por exemplo, olhar sua atividade profissional na câmara como uma atividade transitória, isto é, você está lá ou está no serviço municipal enquanto se prepara para outro passo que quer dar. Mas, enquanto você cá estiver, tal atividade tem que ser para você fonte de vida. E nessa hora a coisa mais perigosa que pode acontecer (e é isto que nos conduz ao estresse) é quando a gente não tem clareza de para onde quer ir.

Eu gosto muito do livro Alice no País das Maravilhas, escrito pelo grande matemático, professor e britânico do século XIX Lewis Carroll. Tem uma personagem no livro que eu acho magnífica: é um gato que aparece duas vezes na história. Na primeira vez, nada acontece no diálogo, mas na segunda tem algo que eu queria lembrar aqui: a Alice está perdida. Vocês sabem que ela cai num buraco atrás dum coelho (o coelho estava atrasado e ela se perde). E em um momento ela está andando por lá até que encontra o gato no alto da árvore, olha para ele e lhe diz: “O senhor pode me ajudar?”. Ele falou: “Claro”. Então ela falou: “Para onde vai essa estrada?”. Ele lhe fez uma pergunta ótima: “Para onde você quer ir?”. Olha que pergunta inteligente! Sabe o que ela respondeu? “Eu não sei, eu estou perdida.” Ele conclui: “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”.

Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas da palestra: Mario Sergio Cortella – Vida e Carreira, um equilíbrio possível? 

Confira na íntegra:

Quando chega o final do ano, do dia 31 para o dia 1º, eu pego uma folha de papel sulfite e dobro-a no meio para ela ficar com um risco. Do lado esquerdo, escrevo “Apesar de” e, do lado direito, escrevo “Por causa de”. Se todas as vezes que você fizer uma lista dessas para qualquer coisa e os seus “apesares” forem mais numerosos do que os “por causa de” tem algum problema – se você tem mais “senões” do que razões tem alguma coisa errada.

Mario Sergio Cortella, nascido em Londrina/PR em 05/03/1954, filósofo e escritor, com Mestrado e Doutorado em Educação, professor-titular da PUC-SP, na qual atuou por 35 anos.

É autor de diversos livros nas áreas de educação, filosofia, teologia e motivação e carreira