Em um texto recente (A Ditadura da Desinformação), levantei a problemática em torno da informação na contemporaneidade e sua relação com a democracia. No texto, procurei demonstrar, ainda que de forma sucinta, a importância de uma sociedade bem informada para o bom funcionamento da democracia, as transformações promovidas pelo advento da internet e de novas mídias, e a necessidade de se questionar o grande mercado de notícias que a mídia se tornou (ou se aprofundou) no Brasil.
Se no texto retratado, as críticas se endereçaram com maior ênfase à grande mídia, complacente com os poderosos e preocupada primordialmente em ganhar dinheiro; neste, as problemáticas se relacionarão às novas mídias sociais difundidas com a internet e o seu mercado virtual de notícias, bem como a incompreensão e incompetência dos setores progressistas de se apropriarem do meio virtual.
Em um programa no pós-eleições presidenciais de 2018 no Brasil, questionado sobre o descuido do campo progressista no tocante ao fenômeno Olavo de Carvalho, escutei um sujeito responder que não houve um descuido sobre o Olavo de Carvalho, e sim, sobre o homem comum. Confesso que essa reflexão ficou comigo, porque é algo, embora verdadeiro, difícil de admitir.
Nós do campo progressista descuidamos do homem comum ao relegar figuras que dominavam a internet e a mente de milhões de pessoas a caricaturas, anedotas, piadas sem importância. O problema é que de “piada” em “piada”, o caldo engrossou e um número enorme de jovens, frutos da geração internet, passou a entonar discursos reacionários, contra minorias, pobres e a história. Nesse percurso, o Brasil tornou-se um país socialista, construiu-se a imagem da URSAL, o Nazismo passou a ser de esquerda, o Holocausto deixou de existir e a Ditadura Civil-Militar variou entre movimento e revolução.
Evidentemente, figuras que distorcem a história e que pregam discursos excludentes e violentos são responsáveis pelos seus atos. Entretanto, em que medida, ao longo do percurso dos “ideólogos” da direita reacionária, houve uma contra-narrativa sendo produzida pela esquerda com a devida atenção que a disputa ideológica pedia? Quantos de nós, realmente, nos propusemos a demonstrar que havia vida inteligente do outro lado do front? Em que momento o campo progressista, de fato, se preocupou com a possibilidade do homem comum – sem o mínimo existencial que a Constituição Federal, em tese, deveria lhe garantir para sobreviver – embarcar em um barco de frases feitas e messiânicas?
A minha ideia não é promover uma autoimolação, mas demonstrar como nós do campo progressista – que acredita na defesa das liberdades individuais, dos direitos sociais dos trabalhadores, na promoção da justiça social, na defesa das minorias, e na guarda da história – também temos nossa responsabilidade por não ter ocupado espaços que deveríamos ter, ao menos, tentado ocupar, já que no nosso vazio, os setores mais conservadores e reacionários da sociedade os preencheram.
Mas, mais do que isso, é suscitar a pauta de que esses espaços, como a internet, ainda estão em disputa e devem ser disputados. Ou melhor, apropriados, a fim de que se consiga estabelecer narrativas em oposição às que foram e estão sendo criadas, às quais não possuem a mínima sustentação histórica. Fulanizar o debate e partir para o enfrentamento direto com determinadas figuras, que hoje alimentam a opinião pública e são capazes de fazer ministros de Estado, tem sua validade, mas não é suficiente, nem o mais importante, a meu ver. É preciso botar a mão na massa e discutir reiteradamente assuntos-chave para o desenvolvimento de uma maior consciência histórica capaz de impedir a história de insistentemente (e tragicamente) continuar a se repetir.
Essa é uma luta árdua e extremamente difícil, já que tentar desconstruir ideias totalmente simplistas sobre a realidade é algo de uma proeza hercúlea. Todavia, é a luta que temos que lutar, antes que sejamos recolhidos ao silêncio completo da história oficial, que, como diria Galeano, “mente pelo que diz e mente pelo que cala”.
Ademais, sem uma democracia razoável, jamais conseguiremos atingir, não o socialismo como a direita maluca quer fazer crer, mas um Estado como o mínimo de bem-estar social para a população. E isso depende de uma opinião pública bem informada, com criticidade e consciência histórica, o que não vai acontecer pela grande mídia, tampouco pelos “mascates de ideologias” que sequestram nossas inteligências. A batalha é dos que ainda não respiram por aparelhos e tentam enxergar o mundo sem as moléstias das cegueiras cotidianas.