O discurso popular costuma repetir que “o povo é oprimido pelos poderosos”. Mas essa afirmação, embora confortável, ignora uma realidade mais incômoda: a maioria das pessoas não apenas tolera a dominação — ela a deseja. A história não é feita apenas por tiranos, mas por massas covardes que, ao invés de lutar por autonomia, preferem entregar sua liberdade em troca de promessas fáceis. Como nos adverte Maquiavel, o povo quer apenas “não ser oprimido”, e nunca assumir o fardo de pensar, escolher e agir por si mesmo. O problema não está apenas na elite que governa, mas no povo que implora por um governante que pense e decida por ele.

O povo é escravo, antes de tudo, por escolha. Deseja ser conduzido, ter um salvador da pátria, um “pai” que resolva os problemas enquanto permanece infantilizado e irresponsável. Essa abdicação da autonomia gera o que Maquiavel descreve como uma sociedade baseada nas aparências, onde o governante precisa apenas parecer virtuoso para manter as massas dóceis: “Todos veem o que pareces ser, poucos sentem o que és.” Em outras palavras, o povo não busca a verdade; busca conforto emocional. Aceita a mentira bem contada, o discurso ensaiado, o espetáculo superficial — desde que não precise arcar com a responsabilidade de pensar criticamente ou agir com coragem.

Essa submissão não é apenas emocional; é também moral. O povo terceiriza a ética, espera que o governante seja o espelho de seus valores, mas não se dispõe a praticá-los. Quer justiça, mas não participa da política. Reclama da corrupção, mas aplaude o político “esperto”. Quer mudança, mas se recusa a sair da zona de conforto. Como dizia La Boétie, o povo aceita a servidão porque tem medo da liberdade — e a liberdade exige deveres, sacrifícios, ação contínua. Ao invés disso, prefere alienar-se com trivialidades, distrair-se com supérfluos, enquanto a estrutura de dominação permanece intacta.

Maquiavel já mostrava que o poder se mantém não apenas pela força, mas por meio de artimanhas psicológicas: festas públicas, distribuição de recompensas simbólicas, criação de inimigos imaginários e controle da moral pública. Tudo isso serve para manter o povo ocupado com o que não importa, enquanto o que realmente interessa — a posse do poder e das decisões políticas — permanece nas mãos de poucos. E o mais trágico: não há resistência significativa. Há resignação, cinismo e, pior, apatia.

A verdade é dura: o povo é cúmplice de sua própria escravidão. Ele escolhe ser governado, manipulado e controlado, desde que não precise arcar com o peso da liberdade. Quer estabilidade sem esforço, direitos sem deveres, mudanças sem rupturas. A elite apenas oferece o que o povo já espera: um messias, um pai, uma promessa, uma narrativa confortável. Quando o “salvador” falha, o povo se revolta brevemente — mas não aprende, apenas espera o próximo. Substitui um nome por outro, sem jamais questionar o próprio papel nessa engrenagem cíclica de dominação.

Não há tirano que se sustente sem o consentimento das massas. Não há elite opressora sem um povo que se recusa a amadurecer. O povo não é vítima inocente: é agente da própria servidão. Enquanto continuar buscando salvadores ao invés de assumir a responsabilidade por si mesmo, permanecerá eternamente dominado — não por imposição, mas por conveniência. Porque, no fim, é mais fácil ser súdito do que cidadão.