É cada vez mais crescente o numero de pessoas que ficam sozinhas durante toda a vida. Muitos por escolha e outros porque de fato não conseguem encontrar alguém. Ocorre, contudo, que a grande maioria de nós não tem mais paciência para relações. É sobre isso que comenta Luiz Felipe Pondé.
Recentemente, durante uma entrevista com uma jornalista da Dote e Velha, ela estava chocada com o fato de que algumas pessoas na Alemanha estão buscando do estado o direito de “casar consigo mesmas”. Isso me lembrou uma conversa que tive com uma aluna, que brincando, disse: “se eu pudesse, eu casava comigo mesma”. O direito de casar consigo mesmo, no sentido de que o estado reconheça o voto de amor próprio, é algo interessante de se pensar. Um tempo atrás, um homem tentou casar com seu cachorro, o que gerou um grande escândalo. Mas, pelo menos no caso do cachorro, é outro ser, outra espécie – embora radical, é outra forma de relação. No caso de casar consigo mesmo, isso representa um completo fracasso de lidar com o contraditório, e é um sinal da tentativa de reconfigurar as relações humanas e sociais.
A jornalista, de 31 anos, ficou impressionada com a ideia de que muitos europeus, principalmente os alemães, que estão chegando aos 30 anos, permanecem sozinhos e não conseguem encontrar parceiros. Eles até decidem procurar alguém, mas não conseguem, e a razão é simples: não conseguem aguentar estar com outra pessoa. Eles até buscam parceiros, mas a convivência com outros se tornou insuportável. O sexo, por outro lado, se tornou muito mais fácil. Hoje em dia, é possível fazer sexo sem precisar tolerar nada – em alguns casos, até de graça. Isso mostra que, para satisfazer os desejos mais imediatos, não é necessário estabelecer instituições ou criar compromissos de longo prazo.
Essa reportagem demonstra que, para muitos jovens, encontrar alguém com quem valha a pena se relacionar é difícil. Isso está relacionado com uma sociedade que cada vez mais valoriza a individualidade e a satisfação imediata. O desafio de encontrar alguém compatível não é só sobre a falta de pessoas, mas também sobre as expectativas irreais que são colocadas sobre os relacionamentos. A vida moderna leva a um isolamento crescente, onde as pessoas, altamente exigentes, acabam buscando apenas satisfação pontual e não se comprometem com o outro.
O futuro da sociedade, como vejo, não será uma ruptura radical em relação à produção material, mas sim uma marcha em direção a indivíduos isolados e cada vez mais exigentes, que buscam serviços, inclusive afetivos e sexuais, quando necessário. Esses indivíduos terão vidas centradas em si mesmos e viverão com famílias fragmentadas. A sociedade verá uma diminuição progressiva de jovens, que agora custam muito para educar, pois os pais exigem muito deles. Como resultado, esses jovens acabam se tornando cada vez mais ansiosos – nunca houve uma geração que tenha tomado tantos ansiolíticos. Isso ocorre porque as expectativas impostas pelos pais são tão altas que os filhos têm que lidar com pressões insuportáveis. E é muito difícil ser perfeito; essa busca pela perfeição pode, literalmente, matar uma pessoa.
Essa reflexão traz à tona a natureza complexa e muitas vezes contraditória da sociedade contemporânea, onde o individualismo e as expectativas irreais geram um ciclo de solidão, ansiedade e frustração.
Transcrição feita e adaptada pelo Provocações Filosóficas da fala de Luiz Felipe Pondé em: Evento INNITI DAY – Conference for Tomorrow, sobre o Futuro da Ética e da Sociedade realizado na FAAP no dia 23/08/2017
Assista:
Luiz Felipe Pondé, possui graduação em Filosofia Pura pela Universidade de São Paulo (1990), mestrado em História da Filosofia Contemporânea pela Universidade de São Paulo (1993), DEA em Filosofia Contemporânea – Universite de Paris VIII (1995), doutorado em Filosofia Moderna pela Universidade de São Paulo (1997) e pós-doutorado (2000) em Epistemologia pela University of Tel Aviv.
Atualmente é professor assistente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professor titular da Fundação Armando Álvares Penteado.