A partir da década de 1970, o mundo começou a passar por transformações que o modificariam substancialmente em vários aspectos. Era a terceira revolução industrial, ou como alguns gostam de chamar – “A Revolução tecno-científica-informacional”. O desenvolvimento da internet e do conceito de rede modificou a estrutura e a lógica da informação e dos meios de comunicação. Hoje, vivemos o auge dessa revolução (ou não), em que temos “acesso” ao mundo na palma da mão. Estamos ligados, conectados, cercados de informação por todos os lados e, portanto, livres da ignorância. Ou ainda mais ignorantes?
Não há dúvida de que a internet promoveu a democratização da informação e até mesmo do modo como se estruturam os meios de comunicação. A informação existe em atacado, de todas as formas, todavia, é preciso considerar algo básico e repetido por muitos: informação não é conhecimento. Dessa maneira, por mais que exista um manancial enorme de informação, isso não implica necessariamente mais conhecimento/sabedoria e, consequentemente, menos ignorância/alienação/escravidão.
Além do fato de que informação difere de conhecimento, também é necessário colocar em pauta qual o tipo de “informação” que circula na rede. Existe muito conteúdo de qualidade no oceano da internet, o qual consegue estimular no indivíduo médio o exercício do senso crítico, de pensar fora da caixinha, fora dos padrões, de questionar a estrutura de poder estabelecida e, assim, construir um conhecimento próprio. Esse tipo de conteúdo e/ou informação existe, volto a dizer, mas ele está perdido, escondido no fundo do oceano. Há uma dificuldade enorme de que eles consigam notoriedade, leia-se, atingir verdadeiramente um grande número de pessoas.
Por outro lado, mais do que dar voz a imbecis (que existem em todos os lugares), como disse certa vez Umberto Eco, a internet tem a capacidade de criar ídolos que mesmo não sendo imbecis (na maioria dos casos), não são produtores de conteúdo/informação que estimulam o pensamento crítico. Esse fato não é exclusivo dos novos meios de comunicação. Os mais antigos, como a TV e o Cinema, talvez sejam até piores nesse sentido, inclusive, porque no caso da TV especificamente, ela possui (ou deveria possuir) o direito de nos informar dignamente, com qualidade. Sabemos que não é bem isso que acontece.
O ponto-chave dessa problemática, por assim dizer, é que já está comprovado que o acesso à informação está muito mais fácil do que há um século. Entretanto, não houve o desenvolvimento de uma sociedade mais crítica, o que nos leva a repensar o papel da informação e dos meios de comunicação no pensar humano, bem como, do desenvolvimento real produzido com mais uma revolução industrial.
As notas na redação do Enem 2016 evidenciam o argumento supracitado, uma vez que havendo mais informação e acesso a ela na mesma medida, por que houve tantas notas baixas? Provavelmente, porque o excesso de “luz” presente na rede esteja causando uma “cegueira branca”, que direciona grande parte dos sujeitos para os mesmos locais, o que só pode permitir que os seus pensamentos comunguem para o senso comum de modo totalmente acrítico ao mundo que os cerca.
A cegueira colocada aqui pode ser interpretada como servidão, e pior, voluntária. Contudo, é necessário dizer que ela não surge do nada. Ela é fruto de um processo no qual os indivíduos não são estimulados a pensar, a fazer perguntas (todas elas); e sim, em se adaptar, se comportar bem aos olhos de um superior – fazendo tudo que ele quiser, obviamente – e não menos importante, aprendendo a como fazer as coisas, ainda que não se saiba o porquê do que está sendo feito. Ou seja, estou falando da educação, o que no caso do Brasil, principalmente da escola púbica, consegue ser pior do que o exposto e, assim, tornar-se extremamente difícil convencer uma massa programadamente ignorante de que o lado de fora da caverna é mais bonito. É o que Bauman diz em “Babel – Entre a Incerteza e a Esperança”:
“Se a variedade atual dos homens da caverna de Platão não se importa de estar encarcerada é porque esses homens foram espoliados do desejo de se aventurar do lado de fora, ou jamais conseguiram tomar conhecimento do propósito de fazê-lo. ”
Assim sendo, por mais que haja uma democratização no acesso à informação e conteúdos voltados para o pensamento crítico e libertador da condição servil que nos encontramos, há ainda muita dificuldade em relação ao desenvolvimento do interesse e compreensão, sobretudo, do homem médio, da importância de buscar conteúdos imprescindíveis para o seu despertar.
O mundo se moderniza, novas “revoluções surgem”, mas a condição de escravos presos à caverna permanece, o que na atual conjuntura se estabelece de modo ainda mais perverso e eficiente, pois passa-se a falsa impressão de que há acesso não só à informação, mas também à justiça, à educação, à moradia, à alimentação, à saúde, à segurança, e tantos outros direitos básicos que são sabotados dos cidadãos. Para piorar, presos nessa ignorante condição, os próprios escravos acabam alimentando o sistema ao consumir freneticamente como verdades absolutas tudo que lhes é passado, e posso lhes garantir que não são conteúdos que procuram estimular o questionamento do porquê das coisas.
Posto isso, há de se considerar que sejam nos novos ou velhos meios de comunicação, a informação existe, quer para libertar, quer para aprisionar. E, embora haja uma democratização da informação, acima de tudo com a internet, não houve uma modificação substancial da condição que nos encontrávamos antes dessa “transformação” ocorrer.
Entretanto, a mudança não ocorrerá de modo abstrato, a partir dos próprios meios de comunicação ou de quem os administra (e isso inclui os produtores de conteúdo na internet), e sim, de quem dá voz a eles. Por isso, por mais que as condições sejam adversas, reside em cada escravo na caverna um pequeno ponto de interrogação que pode levá-lo ao descobrimento do mundo exterior, longe de sombras e de correntes. É necessário que cada um assuma a sua responsabilidade, sem deixar os ouvidos fáceis para os mascates de ideologias, interessados tão somente no aumento das correntes que nos cegam e nos prendem.