A melhor interpretação de Bird Box, o filme que bateu recordes non streaming por assinatura, com mais de 50 milhões de visualizações. Prenda o fôlego e prepare-se para um choque de realidade. Atenção, contém spoilers.
Diversas teorias surgiram sobre o filme Bird Box, com Sandra Bullock. A mais convincente era de que os monstros que assombram a cidade e que levam as pessoas ao suicídio seriam a representação da doença que é o mal do século: a depressão. Mas uma retumbante interpretação entrou em cena.
A mente do ser humano tem uma grande capacidade de distorcer situações para conseguir suportar a dor causada por elas, principalmente, quando vêm do que mais nos importa. Então, reprimimos o intolerável para vivermos dentro da sanidade mental esperada pela sociedade. Sejam abusos sofridos na infância, passando pela hipocrisia social e até em relação às organizações maléficas que manipulam e governam o mundo. Colocamos a venda nos olhos para não ficarmos loucos e ignoramos, inclusive, a natureza humana. Nossos mais podres sentimentos e nobres necessidades.
É assim que conseguimos ignorar o desafeto de quem deveria nos dar carinho, a traição de quem deveria nos ser fiel, a violência de quem deveria nos proteger, a corrupção de quem deveria zelar pelo bem-estar de um povo. Ignoramos que as guerras são geradas pelos monstros da ambição, do poder, do dinheiro. Mesmas assombrações que nos levam ao aquecimento global, à fome e miséria, ao gigantesco mercado do vício. As vendas nos olhos nos vetam à realidade, nos impedem de vermos o mundo como ele realmente é: repleto de egoísmos, interessismos e maldades. São a nossa defesa inconsciente para todo mal em nós e no mundo.
A personagem da Sandra Bullock se nega a ser mãe. O que a torna bem humana. Também aponta a arma para a outra grávida, mostrando que para a natureza dos homens, o seu próprio bem-estar sempre estará acima do outro. Da mesma forma, quando o casal rouba o carro e foge e, ainda, quando o senhor não quer levar a comida para os demais.
Uma vez em uma entrevista, Freud, o pai da Psicanálise foi questionado se gostaria de ter a vida eterna. Sua resposta foi: “Ninguém pensa em vida eterna depois que compreende o egoísmo comportamental humano.”
E este é o monstro que atormenta a todos no mundo de Bird Box: a realidade baseada no egocentrismo humano. É possível viver apenas de olhos vendados, por isso encarar as criaturas leva ao suicídio, porque compreende-se a insuportável verdade do mundo, pois nossos mais assustadores medos vêm das piores verdades. Vivemos em um mundo inventado, de padrões sociais, de beleza, regido pelo mercado financeiro. Um capitalismo aterrorizador, que tira milhares de vidas diariamente por dinheiro ou falta dele. Somos manipulados pelos mais ricos com a ajuda da mídia que vive de suas publicidades. O poder é direcionado para eles sob a ideologia da democracia, dos direitos humanos. Tudo balela, não existe. Porque quando o mercado financeiro vai mal, não importa a verdade, a ética, as vidas, uma vez que a bolsa de valores foi feita para alimentar a ambição dos ricos e não em função do bem do mundo.
E os loucos não são atingidos porque a loucura não tem efeito em quem não é mais são. Porque eles já sabem como é a verdade, e já sofreram as consequências dela sobre sua lucidez. Os loucos do filme simbolizam não só hospícios, mas também os insanos sem escrúpulos que regem o Planeta. Esses que traem a própria família, ferem ou abandonam os próprios filhos, que matam pela religião, por dinheiro, pelo petróleo, que gerenciam o mundo do vício, criam bombas atômicas e orquestram o mercado financeiro.
Esses fantasmas nos enclausuram em casa, pior, fazem-nos reféns do mundo de fora. Assim como os pássaros são tolidos de sua liberdade quando ficam presos em uma caixa, nós não podemos aproveitar do mundo livre que o universo nos deu se não nos adaptamos à extorsão do capital. Temos que pagar por tudo, somos escravos do dinheiro, e essa é a caixa que nos aprisiona a vida toda, corta as nossas asinhas e nos tira muitas oportunidades de ser feliz. Quando a realidade se aproxima na forma das criaturas, os pássaros se debatem porque compreendem sua condição de prisioneiros e anseiam sair da caixa.
Só quem é cego não vê a podridão do mundo e vive feliz. Os deficientes visuais representam as pessoas ingênuas e generosas, cujo coração é tão puro que os tornam incapazes de entender a verdade do mundo, de serem atingidas pela monstro da realidade. Por isso, acreditam na bondade. Têm altruísmo em seus corações e são a esperança da continuação da existência. Os cegos são seres divinos, o que leva a conclusão de que duas crianças com os olhos vendados jamais sobreviveriam a um bote que vira em meio à forte correnteza de um rio, deixando claro que a paz que buscamos dificilmente será encontrada nesse mundo de matéria, que corre risco de extinção, se não tirarmos as vendas dos olhos e resistirmos ao que vemos, até porque somos maioria.
Mas apesar de toda atrocidade do mundo sempre haverá alguém olhando por nós. Assim no final do filme, a personagem de Sandra Bullock encontra-se com sua médica novamente, já no céu. E a grande mensagem do filme é essa: que retiremos nossas vendas para o que de pior há no mundo, pois, só assim, poderemos enxergar os verdadeiros obstáculos do rio da vida mudando o rumo do nosso bote para, finalmente, viver em uma comunidade que, em vez de tirar, doa e faz bem aos seus membros o tempo todo, simplesmente, por deixá-los viver livres, fora da caixa de hipocrisias e manipulações que fundamenta o funcionamento do nosso Planeta.