Joaquim Maria Machado de Assis, apontado sempre como o maior escritor brasileiro. Alguns críticos consideram que ele estaria entre os maiores escritores mundiais de todos os tempos se ele tivesse nascido em algum país do Norte Ocidental (leia-se Estados Unidos e Europa). No exterior, hoje, ele ainda é pouco conhecido. Mas grandes intelectuais, quando “ao acaso” se debruçam sobre alguma de suas obras, chegam a se espantar – e de um modo positivo.

Machado de Assis ultrapassou suas condições sociais. Nascido em 1839, sob o contexto da Monarquia, é oriundo da periferia – do morro – da cidade do Rio de Janeiro. Mulato, epiléptico, com uma úlcera na língua, gago, tímido e ao mesmo tempo inteligente, autodidata, cortês e dotado pelo forte dom de escrever. Em uma época altamente estratificada e escravocrata, Machado rompe esses limites e torna-se um grande escritor, reconhecido ainda em vida, através de pequenos, porém sábios passos: em dado momento de sua vida ele consegue um tempo maior para se dedicar à literatura, mas isso se dá apenas depois de obter certa estabilidade financeira, tendo passado por outros empregos. Todavia, nunca deixou de ser pobre. Sempre teve dificuldades econômicas no decorrer de sua jornada.

Machado introduz o realismo na literatura brasileira, através do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, publicado em 1881. Uma característica importante de sua obra é que esta é repleta de personagens femininas fortes. Ele não é autobiográfico em seu trabalho e, na realidade, pouco se sabe sobre sua vida pessoal. Machado de Assis leu muito bem os ditos “gigantes” de sua época, tais como José de Alencar (a quem, aliás, ele muito admirava e se inspirava), e então produziu uma obra superior – e também desvinculada do Romantismo, vale lembrar.

Um tema relativamente frequente em seus trabalhos literários foi o adultério cometido pelas mulheres, vários deles podendo ser interpretados como certa emancipação das ditas cujas. Assim, algumas pessoas consideram que o autor possuía dada fixação por esse tema. Mas, em verdade, o relacionamento que ele possuía com sua esposa Carolina Augusta Xavier de Novais era saudável, pode-se dizer.

Carolina era de Portugal, e ambos se conheceram no Brasil – no Rio de Janeiro. Machado declarara anteriormente: “A minha história passada do coração resume-se em dous capítulos: um amor, não correspondido; outro, correspondido. Do primeiro, nada tenho que dizer; do outro, não me queixo; fui eu o primeiro a rompê-lo.” E então, especificamente sobre a portuguesa: “Tu não te pareces com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como os teus são prendas raras […] Como te não amaria eu?” Se casam em 1869, às pressas, pois Carolina já se encontrava na década dos trinta anos, e naquela época era este um período julgado tardio para o matrimônio. Consta que a família da mulher foi contra o casamento por uma questão racial, pois Machado de Assis era negro.

Vivem trinta e cinco anos juntos. Levando em consideração histórica toda a opressiva desigualdade de gênero que sempre houve dentro dos casamentos, bem como a obrigatoriedade moral desta instituição, pode-se dizer que Carolina e Machado foram uma das exceções que se uniram como casal de uma forma sólida, para realmente serem felizes. A relação dos dois era de muita harmonia e igualdade. Aliás, Carolina também influenciou a vida profissional do escritor, em uma época onde a mulher jamais se aproximava do campo profissional do marido. É ela quem lhe inspira madureza para que ele transitasse do Romantismo ao Realismo. Carolina Augusta, de personalidade estável, é uma mulher extremamente culta para os padrões da época, tão genial quanto o marido. Ela vem a falecer em 1904, aos 69 anos. Após esse episódio, Machado definha de tristeza, o que lhe agrava alguns problemas de saúde, até falecer em 1908. Como ele era quatro anos mais jovem que a esposa, sua morte também se dá aos 69 anos. Segundo biógrafos, Carolina dizia que esperava que o marido morresse antes dela, pois sabia que, se fosse o contrário, ele não iria aguentar.

Nesse último ano de vida do autor é publicado o seu derradeiro livro, Memorial de Aires, considerado por muitos o ápice de toda a sua obra. Esse livro é ainda visto como o único de caráter autobiográfico por parte de Machado. A figura de Carolina está ali presente como esposa, mãe e companheira – materializada especialmente na personagem de D. Carmo, mulher de Aguiar, educada e carinhosa, que não teve filhos. O casal Machado e Carolina de fato não teve filhos. E, sobre isso, é sempre citada a famosa frase final do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, dita pelo personagem-título: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”

Gostaria de acrescentar um subitem: certa vez os amigos do “Bruxo do Cosme Velho” (designação dada a Machado de Assis) desconfiaram de que ele pudesse estar traindo Carolina, pois ele ia regularmente a algum lugar misterioso. Assim sendo, resolvem segui-lo. E então descobrem que ele ia sempre admirar o quadro A Dama do Livro, do pintor Roberto Fontana. O escritor possuía muito desejo de adquirir a obra, mas não tinha dinheiro. Descoberto isso, os amigos a dão-lhe de presente.

A Dama do Livro, Roberto Fontana

Contemporaneamente, um grupo de membros da Academia Brasileira de Letras foi até Portugal realizar uma busca dos descendentes de Carolina. E eis que encontram algumas familiares que respondem: “Ah! Não sabemos quase nada sobre essa nossa tia-avó. Tudo o que sabemos é que ela foi para o Brasil e se casou com um preto.”

A correspondência de cartas íntimas entre Carolina e Machado foram queimadas.