Em um trecho de uma palestra para o Café Filosófico, o psicólogo Ivan Capelatto fala sobre o casamento e a necessidade de manter as diferenças para que o desejo se mantenha. Confira abaixo a transcrição do trecho.
“É possível um casal manter uma relação de casados, um tempo juntos, sem perder o desejo ou a s*xualidade? O casamento não é mais um fato social, ou seja, as pessoas não se casam mais para manterem riquezas: o casamento, hoje, é um fato psicológico, um sentimento, uma angústia em relação a poder repartir a vida com alguém e preencher essa angústia; é uma escolha que pode ser narcísica e/ou doente, por exemplo, uma pessoa pode escolher outra a quem possa dominar ou que a domine, tratando-se de escolhas feitas em nome da angústia.
O casamento é a união entre as diferenças, e o que acontece entre o casal é a tentativa de diminuir as diferenças, começando a trazer, para dentro do casamento, algo que pode ser classificado como “amor homoss*xual”, que seria o amor entre iguais, sendo que iguais não se desejam. O amor homoss*xual é o amor entre sujeitos tão parecidos onde um não pode suprir a falta do outro, já que eles têm as mesmas angústias e os mesmos desejos, então começam a morrer. Às vezes isso acontece pelo fato do casal ter sido invadido por discursos que proferiam que eles deviam ser iguais, ter os mesmos objetivos e olhar para o mesmo lugar de forma integral, então, consequentemente, eles perdem o desejo. A perda do desejo é tanta que, para que eles se resgatem, um deles adoece ou eles se separam por um tempo ou até definitivamente.
A diferença é a marca do desejo. O estabelecimento da diferença, em uma relação a dois, é a marca do sagrado e a marca do mistério. O reconhecimento de desejos diferentes e o respeito em relação a esses desejos mantêm um casal junto.
A ilusão de que um novo casamento, uma nova união, repara a falta é muito complicada porque o novo é diferente, mas depois ele se torna conhecido, previsível e igual, então o desejo acaba. A sociedade contemporânea dissemina a ideia do ser desejante e incompleto, por exemplo, um indivíduo sai à noite à procura de algo que ele acha que deseja, encontra-o, curte-o um pouco e depois se afasta daquilo que, até então, desejava.
Hoje as pessoas têm fugido desta comunhão (podendo ser também interpretada como unidade, namoro ou casamento) por perceberem o quanto ela termina, é falha, dói e agride a própria individualidade. Mas isso não é uma verdade completa. A verdade completa é que duas pessoas podem passar o resto de suas vidas juntas se continuarem mantendo e respeitando as diferenças entre si. A tentativa de equilíbrio e harmonização de uma relação é o segredo da destruição de uma relação de casal: é a morte do desejo e a morte da vida. E a morte do desejo é o início da indiferença.”
Transcrição adaptada pelo Provocações Filosóficas do trecho da palestra: Casamento, Desejo e S*xo | Ivan Capelatto no CPFL Cultura.
Confira na íntegra:
Ivan Capelatto é psicólogo clínico e psicoterapeuta de crianças, adolescentes e famílias. fundador do grupo de estudos e pesquisas em autismo e outras psicoses infantis (gepapi), e supervisor do grupo de estudos e pesquisas em psicopatologias da família na infância e adolescência (geic) de cuiabá e londrina.
Mestre em psicologia clínica pela puc-campinas, é professor convidado do the milton h. erickson foundation inc. (phoenix, arizona, usa) e professor do curso de pós-graduação da faculdade de medicina da puc – pr. Autor da obra “diálogos sobre a afetividade – o nosso lugar de cuidar”.