Flavio Gikovate, um dos mais famosos psiquiatras do Brasil, especialista em questões amorosas, em uma entrevista à Agencia Estado, publicada em 2006 no site Bem Paraná, fala sobre o mito dos opostos nas relações amorosas e defende que a qualidade das relações depende das afinidades do casal.

Confira um trecho da entrevista:

AGÊNCIA ESTADO – Seus estudos sobre as questões ligadas à sexualidade e aos relacionamentos começaram na década de 1960. Quais foram suas principais descobertas?

FLÁVIO GIKOVATE – Avancei muito no entendimento do fenômeno amoroso. Desde então, venho divulgando todas as formas de amar, porque, na minha cabeça, é muito importante que as pessoas se unam com parceiros afins, ou seja, com pessoas parecidas. Não por opostos, que sempre foi referência ao longo dos anos. No passado, valia a idéia “dois bicudos não se beijam”. Quer dizer, num relacionamento, um tinha sempre de ser bicudo, e o outro, sem bico. Era a questão dos opostos. E eu brigava desde 1976, 1977, para sustentar que o casamento deve ser por afinidade. O que é óbvio, mas, apesar disso, continua a prevalecer o ditado popular. Hoje, fala-se em “alma gêmea”. Mas só o discurso mudou. A prática continua a mesma.

AGÊNCIA ESTADO – Por que o discurso mudou?

FLÁVIO GIKOVATE – Porque as pessoas estão de saco cheio dessas diferenças. A mesma relação que determina o casamento determina o divórcio. Encanta-se pelo oposto e irrita-se pelo oposto. Quanto maior a convergência, maior a facilidade de convívio e a estabilidade. Mas a questão da alma gêmea só corresponde a 5% dos relacionamentos. A grande maioria dos casamentos continua se dando entre opostos, e as pessoas continuam tendo as chamadas brigas normais dos casais, que não são normais. Casal que se dá bem não briga jamais. Casal que se dá bem tem divergência de opiniões, negocia e conversa, mas não briga. Brigar é coisa de grosso.

AGÊNCIA ESTADO – É isso o que o senhor diz sobre os opostos – os generosos e os egoístas – em seus livros?

FLÁVIO GIKOVATE – Na relação generoso/egoísta, o primeiro dá, e o segundo explora. São opostos. Isso perpetua os comportamentos equivocados. A solidão é muito evolutiva nesse ponto. A ordem evolutiva seria o egoísta, o generoso e o justo. Só que o justo não é o meio-termo entre os dois. Ou seja, o egoísta não tolera frustração, o generoso não tolera a culpa, e o justo tolera a frustração e não morre de culpa.

AGÊNCIA ESTADO – E por que o ser humano tem essa “necessidade” de sempre procurar no outro aquilo que não possui?

FLÁVIO GIKOVATE – O ser humano tem uma sensação de incompletude. Nunca se sente completo. Ele busca, na verdade, completar-se no outro. E é justamente nisso que pesa um parceiro. Se nós nos sentíssemos completos em nós mesmos, não existiria o amor.

AGÊNCIA ESTADO – É por isso que o senhor fala que o amor é um vício?

FLÁVIO GIKOVATE – É por isso que ele pode transformar-se em um vício. Porque o ser humano tem uma dependência do outro. Agora, nas relações de boa qualidade, vício não é uma palavra que deve ser vista tão assustadoramente. O mais grave não é o vício, é o malefício. Eu fumei por 35 anos. Não parei de fumar por causa do vício. Parei por causa do malefício. Ou seja, o vício não é obrigatoriamente uma coisa ruim. O vício é ruim quando ele provoca uma sensação de incompletude, de insaciabilidade. Não é só o malefício. Ele causa uma dependência muito forte. No amor, também existe dependência. Tudo isso vem de você achar que não pode viver sem outro. Quanto mais você for capaz de se imaginar sozinho, mesmo que incompleto, mais será capaz de estabelecer uma relação de melhor qualidade. Essas relações dependem de maturidade emocional. Aí, o outro não se torna vício. Vira só um hábito. Há uma diferença entre hábito e vício. O hábito é uma coisa que você pode ficar sem; o vício, não.

AGÊNCIA ESTADO – O senhor tem um conceito diferenciado de liberdade. Qual é?

FLÁVIO GIKOVATE – A liberdade, como eu vejo, é você agir de uma forma coerente com seus pensamentos. Coerência entre pensamento e conduta. Esse é o conceito de liberdade para mim. E, portanto, não existe apenas um jeito de ser livre. Cada pessoa tem seus pensamentos e, se ela age coerentemente com seus pensamentos, é livre.

AGÊNCIA ESTADO – E como isso funciona dentro de um relacionamento?

FLÁVIO GIKOVATE – Nas questões sentimentais, para você poder ser livre, coerente com suas condutas, você tem de ter uma afinidade muito grande com o parceiro. É preciso que os parceiros tenham pontos de vista parecidos, senão um dos dois vai ter de abrir mão de alguma coisa. Eu não sou um grande admirador das concessões. A idéia da concessão é algo que quebra a liberdade. O indivíduo que concede vai ter de agir de forma diferente da que ele pensa. Eu sou muito mais amigo do respeito às diferenças Quando há diferença entre o meu modo de ser e o da minha mulher cada um, se possível, funciona do seu jeito. Se ela gosta de certos tipos de programas sociais ou culturais, mas eu não gosto ela vai, e eu não vou.

AGÊNCIA ESTADO – Mas, às vezes, não acontece de a pessoa querer acompanhar quando a outra não quer ser acompanhada?

FLÁVIO GIKOVATE – A concessão tem de ser mínima, porque mexe com a questão da liberdade. Aí está a vantagem de você ter um parceiro parecido. O número de vezes que esse problema vai acontecer é pequeno. Quanto menores forem as concessões, mais próximo da liberdade fica o indivíduo.

Você pode conferir a entrevista completa no site Bem Paraná, clicando AQUI!

Flávio Gikovate nasceu em 1943 e publicou 34 livros. Psiquiatra, dedicou-se à psicoterapia e tornou-se um dos mais conceituados e reconhecidos psicoterapeutas brasileiros.