Se não há a possibilidade de haver liberdade sem que haja a difusão do conhecimento, a falta deste implica, necessariamente, redes visíveis e invisíveis de controle, poder e dominação. Em qualquer sociedade ditatorial apresentada, na realidade ou na ficção, um fator é comum a todas elas: o controle sobre a informação e, consequentemente, sobre o conhecimento produzido. Na nossa ditadura microfísica isso não é diferente, já que não é preciso que o controle seja exercido abertamente, para se perceber como os donos do poder nos mijam enquanto dizem que chove.
A contradição, o paradoxo, a superficialidade e a mentira são elementos indispensáveis aos que se dedicam a perpetuação da ignorância, afinal, é a ignorância de muitos que proporciona a riqueza e os privilégios de poucos. Embora essa relação seja extremamente desigual, não devemos desconsiderar as formas de resistência e luta empreendidas pelos grupos subalternizados. Entretanto, diante da discrepância entre os lados antagônicos, é preciso entender que há caminhos de saída e mudança, mas eles não são fáceis. Quer de ser percebidos, quer de ser traçados.
Como fator proeminente na perpetuação da ignorância e dos desmandos que aqui ocorrem com enorme naturalidade, há o problema da educação, que, como alertou Darcy Ribeiro, não é um problema, é um projeto. Evidentemente, falta um entendimento crítico sobre a importância da educação no desenvolvimento humano do Brasil. Falta pensar e executar um projeto educacional que vise capacitar os sujeitos não apenas para o mercado de trabalho, mas também para a vida em sociedade, com capacidade analítica, para compreender a si e o seu entorno.
Essas mudanças, entretanto, soam como utopia, haja vista a complexidade histórica do Brasil e suas mazelas que insistem em ser mantidas. Aliás, há pouquíssima reflexão crítica sobre a nossa história, sobre processos que nos marcaram a ferro e fogo, como a escravidão e a ditadura militar. Situação que nos deixa meio que sem passado e sem uma compreensão dialética entre as nossas raízes e as nossas folhas.
Constituição peculiar, que ajuda a manter a fábrica de mentiras do sistema funcionado a todo vapor, produzindo seus disfarces e suas arapucas, que naturalizam o que foi socialmente edificado. E, assim, a pobreza é vista como algo natural; a fome, a miséria, a enorme desigualdade social, a exclusão, os preconceitos, os muros que nos dividem e nos sufocam, tudo é visto como obra do acaso, sem temporalidade e sem história. No entanto, as coisas não surgem por geração espontânea. Elas são historicamente construídas e, como construção dos homens, podem ser também modificadas.
Embora modificáveis, quantos possuem consciência da historicidade das experiências humanas? A educação não ajuda muito nisso. Mas, a pobreza também não. Assim como a grande mídia e os meios de comunicação, que imbricados com os coronéis do sistema financeiro, repetem cotidianamente o espetáculo risível, mas convincente, da história oficial, de quem vence pelas ações de um destino manifesto.
E como o espetáculo não para, as mentiras de tanto repetidas se transformam em sólidas verdades. A ignorância pouco a pouco vai se convertendo em conhecimento, o construído vai se transformando em naturalizado e a escravidão ganha tons de liberdade. A dominação pode, então, ocorrer sem muitos inconvenientes e incômodos. Estes, entretanto, volta e meia aparecem, o que denota que por melhor que um sistema seja, há furos em sua blindagem.
Se há a pretensão de que a blindagem do sistema seja desfeita, é preciso, portanto, apontar para os furos descobertos e incentivar a descoberta de outros, pois por mais adversas e desesperançosas que as situações sejam, como escreveu Drummond, há sempre flores capazes de romper o asfalto e mostrar ao mundo que por mais sufocadas que sejam, existem modos de resistir e renascer.