
A busca incessante pela felicidade talvez seja o paradoxo mais cruel da experiência humana. Quando a felicidade se torna o objetivo em si, ela escapa como areia entre os dedos. Quem nunca tentou agarrar um momento de plenitude apenas para vê-lo se desfazer na mesma velocidade com que surgiu? E se, ao invés de correr atrás dela, estivéssemos buscando a coisa errada desde o início?
Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, fala de eudaimonia — algo mais próximo de uma realização duradoura do que de uma emoção fugaz. Para ele, a verdadeira alegria de viver brota de uma vida guiada pela virtude, pela razão e pelo equilíbrio. Não se trata de sorrir o tempo todo, mas de sentir que se está alinhado com o que é justo, bom e belo. Talvez não seja coincidência que, dois mil anos depois, Viktor Frankl, em Em Busca de Sentido, tenha dito que a felicidade é um efeito colateral da busca por sentido. Quem se ocupa com um propósito, quem se entrega ao que realmente importa, acaba colhendo alegria sem sequer percebê-la brotar.
Por que, então, insistimos em buscar a felicidade como se fosse um prêmio? Como se existisse uma fórmula mágica, um atalho ou um manual. Martin Seligman, fundador da Psicologia Positiva, mostra em Florescer (Flourish) que as pessoas mais satisfeitas não são as que vivem em busca do prazer, mas aquelas que cultivam gratidão, relacionamentos significativos e um sentimento de pertencimento. Será que não estamos procurando nos lugares errados?
Vivemos tempos em que parece obrigatório ser feliz. As redes sociais funcionam como vitrines de uma vida sempre leve, bonita e bem-sucedida. Mas o que acontece quando olhamos para o espelho e não vemos esse reflexo? O que sentimos quando, mesmo cumprindo todos os passos do suposto “caminho da felicidade”, ainda nos sentimos vazios? A cultura atual transformou a felicidade em mercadoria — algo que deve ser comprado, exibido, validado. Mas como validar algo que não se pode possuir?
Ao fugirmos do sofrimento a qualquer custo, deixamos de lado uma parte essencial da vida. Nietzsche afirmava em Assim Falou Zaratustra que é através da dor que criamos significado. Não seria o desconforto, muitas vezes, o impulso que nos leva a crescer, refletir, mudar de rota? O problema talvez não esteja em sofrer, mas em acreditar que o sofrimento é uma falha.
Quantas vezes achamos que sabemos o que nos fará felizes, apenas para nos decepcionarmos? Daniel Gilbert, em Stumbling on Happiness, mostra que erramos frequentemente ao tentar prever o que trará bem-estar. Se a felicidade não é algo que podemos planejar com precisão, então qual o sentido de colocá-la como norte? Será que ela não seria, na verdade, uma bússola quebrada?
E se, ao invés de felicidade, buscássemos inteireza? Uma vida coerente com nossos valores mais profundos? Se nos envolvêssemos com aquilo que nos desafia e, ao mesmo tempo, nos conecta ao mundo? A sombra não precisa de esforço para seguir o corpo iluminado pelo sol. Assim é a alegria genuína: ela acompanha quem está em movimento por razões autênticas.
O que muda quando deixamos de perseguir sensações e passamos a construir sentido? Kierkegaard, em O Conceito de Angústia, falava da angústia como porta para a fé; os estóicos, como Sêneca em suas Cartas a Lucílio, propunham que a paz não vem de controlar o mundo, mas de controlar a si mesmo. E se a felicidade não estiver em vencer, mas em aceitar que viver é uma dança entre perder e ganhar, cair e levantar?
Há quem prefira fugir do desconforto, anestesiar-se, fingir otimismo. Mas viver plenamente talvez seja permitir-se sentir tudo — inclusive o que machuca. A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), desenvolvida por Steven Hayes, convida a isso: comprometer-se com o que se valoriza, mesmo quando há dor. Não é sobre evitar o sofrimento, mas sobre não deixar que ele nos impeça de viver.
Faz sentido, então, continuar tentando “ser feliz” como se fosse uma tarefa, uma meta, uma performance? Talvez a grande virada não esteja em conquistar um estado permanente de contentamento, mas em aprender a reconhecer a beleza que existe na impermanência das coisas. E, quem sabe, descobrir que a felicidade verdadeira nunca foi um destino — sempre foi um caminho.