A sociedade contemporânea, teoricamente, construída sob a égide da liberdade vem se apresentado como uma era extremamente ditatorial, em que devemos estar adequados aos ditames impostos pela ordem estabelecida, de tal modo que todos aqueles que impetuosamente descumprem as suas regras são vistos como “selvagens”.
Devemos, segundo os que se acham nossos donos, ter sucesso. Entretanto, esse sucesso é definido quase que categoricamente como ganhar dinheiro. Ou seja, devemos ter profissões que nos permitam isso, ainda que não gostemos minimamente do que fazemos, uma vez que devemos manter a imagem de “vencedor” perante os outros.
Não há espaço para a dúvida, para o questionamento, para a crítica. Pelo contrário, não devemos ser transgressores da ordem e do progresso. Precisamos nos adequar a um sistema que se pressupõe perfeito. Contudo, como um sistema pode ser perfeito criando marionetes presas em jaulas? Determinando o que faz as pessoas felizes e condenando as que se opõem a sua fórmula de felicidade?
Essa estrutura cria uma pressão social perante o indivíduo, de modo que este deve saber de tudo o tempo inteiro. Mas, é com o passar do tempo que vamos nos conhecendo e descobrindo o que somos. Somente nós sabemos o que nos agrada e traz felicidade, pois não há ninguém que nos conheça melhor do que nós mesmos.
No entanto, a sociedade que julga nos conhecer melhor e saber o que nos faz feliz, trata os que pensam fora da caixinha e buscam o autoconhecimento como indivíduos inferiores e incapazes de se adequar à sociedade. Não raras vezes, são taxados de depressivos, pelo simples fato de viverem da forma como julgam interessante e buscarem o seu próprio lugar no universo.
Nessa busca do que se é, caímos e choramos muitas vezes, e por sermos corajosos demonstramos o que sentimos, pois a fragilidade faz parte da condição humana. Ninguém sabe de todas as coisas e é forte o tempo inteiro. A precariedade é uma condição da existência, afinal, sobre o que temos total controle na vida? Todavia, essa incerteza existencial é condenada, pois, se existe a “fórmula da felicidade”, por que sentir dúvida? Desse modo, Zygmunt Bauman em “Cegueira Moral” assevera que:
“Inadequação sugere inferioridade, e ser inferior, ser visto com tal, é um golpe doloroso contra a autoestima, a dignidade pessoal e a coragem da autoafirmação. A depressão é agora a doença psicológica mais comum. Ela atormenta um número crescente de pessoas que receberam a designação coletiva de ‘precariado’, expressão cunhada a partir do conceito de ‘precariedade’, denotando a incerteza existencial.”
Ser inadequado, portanto, é ter a rara capacidade de sentir. Isto é, ter sentimentos, perceber o que acontece ao seu redor, como isso lhe afeta e o que acontece dentro de você. Em outras palavras, ser inadequado é poder ser você mesmo, sem regras, sem ditames e fórmulas. É poder se guiar pelo seu coração e saber o que lhe apetece. É poder ser mais do que uma máquina que faz tudo exatamente como lhe é ordenado, ou seja, ser “adequado”.
Ser inadequado é sentir dúvida e poder rever os seus conceitos e preconceitos. Ser inadequado é saber que nem sempre haverá estabilidade, pois algumas vezes seremos apenas a torrente de emoções conjuntas e incontroláveis. Ser inadequado é poder sentir dores e também poder amar. Entretanto, o “Admirável Mundo Novo” só aceita pessoas fortes e disciplinadas, de tal maneira que não é permitido chorar, sofrer ou sorrir, sem que todas essas emoções estejam sob as determinações da “cartilha existencialista” a que todos devem rigidamente obedecer.
“Com suas mães e seus amantes; com suas proibições, para os quais não estavam condicionados; com suas tentações e seus remorsos solitários; com todas as suas doenças e intermináveis dores que os isolavam; com suas incertezas e sua pobreza – eram forçados a sentir as coisas intensamente. E, sentido-as intensamente (intensamente e, além disso, em solidão, no isolamento irremediavelmente individual), como poderiam ter estabilidade?”
Ser inadequado é poder sentir intensamente a vida, pois momentos vividos com intensidade tornam-se memórias que perpassam pela eternidade. Ser inadequado é saber que existem muitas coisas que você queria fazer, mas não faz. Ser inadequado é saber que existem coisas que só você faz, ainda que não saiba. Ser inadequado é tentar descobrir quem você realmente é. Ser inadequado é saber que na vida, não existem muros de proteção. Ser inadequado é permitir que escolhas façam você. Ser inadequado é permitir que alguém bagunce a sua vida. Ser inadequado é ser o seu eu por inteiro, sem medo dos julgamentos, pois como diz Veríssimo:
“Eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.”