O homem é um ser cheio de paradoxos, complexidades, contradições. É um infinito de possibilidades e de entendimentos, por isso mesmo, tão fascinante… ou assustador. Uma dessas incongruências refere-se à liberdade. Palavra grande e difícil de definir, mas que a tomemos como a capacidade de o sujeito autogerir-se, de ser a si mesmo no mundo ao mesmo tempo em que permite ao outro a mesma capacidade. Dessa forma, parece claro que todos seres humanos desejam a liberdade, o impulso de ser donos da própria vida, de não aceitar grilhões, correntes, a dominação, a servidão. Mas, se todos desejam a liberdade, se ela é um valor universal, por que tão poucos caminham para ela?
Em uma de suas estórias, Eduardo Galeano conta que certo dia ganhou um coelhinho da índia, deixando-o na sala de sua casa com a grade da gaiola aberta. Saiu, resolveu coisas do cotidiano, e ao retornar, encontrou o coelho tal qual o havia deixado – “gaiola adentro, grudado nas barras, tremendo por causa do susto da liberdade”. Essa estória nos diz muito sobre o porquê de tão poucos de nós concorrerem para pensamentos, sentimentos e ações que convirjam para a liberdade. A liberdade nos assusta, porque é difícil ser responsável pelos próprios atos, viver sem que alguém nos diga o que devemos fazer e para aonde devemos ir. Além disso, ela faz uma poeira danada, como diria Drummond, o que nos leva a constantemente optar pela “arrumação”. É, todavia, na “arrumação” que se escondem os muros que nos impedem de acessar a liberdade.
Os donos do poder, evidentemente, sabem disso e utilizam tal conhecimento ao bel prazer dos seus interesses, que em nada tem a ver com o bem comum e a coletividade. A revolução tecnológica, a que assistimos e acessamos nas últimas décadas, ajudou enormemente na extensão dos sustentáculos cerceadores da liberdade presentes entre os que possuem o monopólio sobre o controle das novas tecnologias, sobretudo às que se referem à informação.
Não obstante os avanços que as novas tecnologias trouxeram para a sociedade, é necessário destacar que, mais cedo ou mais tarde, a ciência se transforma em tecnologia e a tecnologia em poder, que acaba sendo utilizado por pessoas (físicas ou jurídicas) não necessariamente preocupadas com a sua utilização para melhorar a vida em coletividade, dar maior autonomia aos indivíduos e fortalecer a democracia.
Para quem consegue ver além da cegueira cotidiana, é nítido que as tecnologias da informação e os meios de comunicação estão cada vez mais sofisticados e empenhados em nos transformar em servos do sistema, desconstruindo o nosso ser e nos convertendo em autômatos incapazes de pensar e agir autonomamente. Isto é, tem se construído uma ditadura científica, que ao nos afastar do pensamento autônomo, também nos afasta da reflexão e, portanto, transforma-nos em seres irracionais.
O estilo de vida a que estamos submetidos, correndo o tempo todo, sobrecarregados de obrigações e metas a cumprir, tendo que acompanhar o tempo da máquina, sempre mais rápido e artificial, é fundamental para que o controle da mídia (TV, rádio, cinema ou as mídias sociais) aconteça e atinja tamanha eficiência. Estando fadigado, cansado, esgotado de uma rotina insuportável, o sujeito torna-se um alvo fácil para que seja aplicada, sem meias palavras, uma lavagem cerebral em sua mente.
Entretanto, não se trata de uma lavagem cerebral pautada na coerção, no uso da força, na transformação do indivíduo em uma simples marionete. Os tempos são outros, de ciência e tecnologia. Logo, é preciso que o sujeito se converta ao sistema, que ele próprio se convença a abdicar da sua liberdade e a agir segundo os ditames daqueles que o dominam. É preciso que ele obedeça às cordas, mas prefira não as ver.
Uma vez convertido, torna-se extremamente difícil o sujeito se descondicionar. Lembrando Aldous Huxley: “o que o animal aprendeu sob o seu estado de tensão, permanecerá como parte integrante do seu ser”. Desse modo, mais do que apenas repetir mecanicamente o que foi lhe dito, o indivíduo condicionado passa a ser um agente criador, multiplicador e vigilante do sistema. A sua própria mente passa a produzir aquilo que aprendera e, então, o controle por parte do sistema sequer precisa acontecer, já que o melhor tipo de controle é aquele que não precisa ser feito.
Embora não seja necessário, ele se repete ininterruptamente, afinal, quando não estamos diante de alguma tela? A vigilância tornou-se completa com as novas tecnologias, talvez até mais do que George Orwell pudesse imaginar, já que há sempre alguma tela acesa e olhos sem piscar as olhando, ou melhor, sendo olhados. Passamos de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de controle, em que a fluidez do mundo líquido permite que a vigilância ocorra da hora que acordamos à que vamos dormir (e, talvez, até enquanto dormimos).
Apesar disso, não há nenhum tipo de organização que vise subverter a ordem. Pelo contrário, a grande maioria parece estar sempre satisfeita e sedenta por mais espetáculo. Como diz o ditado, nem só de pão vive o homem, mas de pão e circo em demasia parece que todos, ou pelo menos a maior parte dos homens, vivem. E sem reclamar, servindo de forma subserviente a quem progressivamente aprisiona suas mentes. Ora, também não é para menos, já que em um mundo em que cada um carrega nas mãos uma arma de distração – ou seria destruição? – em massa, como não transformar as ovelhas mais inquietas nas mais disciplinadas?
Diante de uma realidade tão nefasta, consequentemente, tende-se a caminhar para uma visão pessimista do mundo, ou pior, derrotista. Obviamente, é necessário reconhecer as dificuldades a que a nossa sociedade está submetida no que tange ao exercício da liberdade individual e coletiva. Entretanto, por melhor que o adestramento, a vigilância e o controle sejam feitos, sempre há espaços, brechas, pelas quais é possível refletir sobre a nossa condição, sobre quem somos nós, sobre o que nos torna humanos. E não é a servidão que define a nossa natureza, embora defina a nossa atual situação.
Por mais que haja elementos paradoxais nessa servidão e na nossa própria relação com a liberdade, há também muitos produtos históricos, que não são naturais tampouco normais, e que podem ser modificados. Mais uma vez retomando Huxley, não há motivos para acreditar que uma ditadura plenamente científica seja questionada, quiçá derrubada. Todavia, enquanto estivermos pensando, algo poderá ser feito, de dentro para fora, até que as cordas comecem a aparecer, os muros deixem de ser invisíveis e as gaiolas, ainda que enfeitadas, mostrem-se gaiolas. Há de se procurar o fruto proibido e comê-lo, porque a liberdade só é possível do lado de fora desse admirável paraíso.