Essa semana, não sei se pela exigência psicológica de estar sempre a fazer algo interessante, criativo, enriquecedor e curioso, estive permanentemente irrequieto pela ausência de ideias. Nenhuma palavra escrita há dias, em um contexto pessoal de tédio e ócio, preenchido em boa parte das horas por leituras de jornais, revistas e livros ou quando então pelo eterno sono juvenil, pelos mesmos hits musicais que tocam na rádio (sim, boa parte do que eu ouço, ouço por estações) ou pelos discos alternativos disponíveis no Spotify, pelos filmes e mais filmes que mais tarde sequer lembro o nome e por alguns seriados que não desejo continuar. Quando muito, pelas andanças para tomar sorvete no verão escaldante da capital do país, para ir às salas de cinema cult da cidade ou mesmo para ir gritar Ele Não em uma conturbada manifestação na qual em certo momento fez se uma fogueira que provocou a reação da polícia. Na tentativa de preencher o vazio, sobra espaço para pelo menos usar meu login nessa coluna, o que tem acontecido menos.
Mais tempo livre, sem muito o que fazer da vida aos vinte e dois, sem grandes viagens, sem trabalho pra fazer, sem fé na política, desiludido com o seu país, com as expectativas infinitamente mais rebaixadas do que quando entrei na universidade, descrente da bondade humana (ao contrário de Anne Frank) e esperando iniciar o ano de 2019 no qual eu volto a sala de aula, esperando que as coisas melhorem, esperando ocupar meu tempo, não mais com conversas bobas sobre o período eleitoral com parentes e nem mais inundado com a maré de arrogância das redes sociais. Não mais com a potência enterrada (mesmo que não seja lá tanta potência), com as qualidades se consumindo com passar do tique-taque do relógio, sem metas a cumprir, sem caminhos a vislumbrar. Mas repleto de um pinguinho de ânimo, de um pouco mais de agitação, um pouco mais do verdadeiro cansaço, suor para quem não se cansa realmente. Alguma coisa que me faça ver que a minha identidade não é de alguém solto no mundo a navegar sem proa.
Aprendo com menos o que fazer e com menos o que pensar – no modo mecânico de executar tarefas absolutamente banais todos os dias – que a vida de ninguém é interessante como a vida dos personagens do teatro ou do cinema. Ela é de dar sono, nela nos faltam ideias. Sim, nos faltam ideias. Porque mesmo as reflexões, para mim onipresentes, oniscientes e onipotentes, somem, vão embora; me deixam abandonado no vácuo da subjetividade codificada: inacessível a uma superfície mental que materializa aquilo que está no nosso íntimo e que transforma a angústia em palavras para o papel. Por isso o bloqueio para escrever. As semanas que se passam sem que eu tenha alguma coisa para compartilhar (mesmo que para uma dúzia de pessoas lerem e dessa dúzia dois compreenderem) me deixa risonho por fora, mas na prática tristonho por dentro. Porque são tantas e tantas as coisas que me deixam bobo feito os palhaços da corte, que até as origens dos meus traumas e das minhas supostas superstições cabem bem em um textinho desses, com ares de diário.
Interrompidas as noções mais vagas do que trazer até aqui, porque então não falar dessa interrupção? Afinal, o bloqueio criativo pode ser motivo para o desbloqueio criativo. Pode ser a oportunidade perfeita para destravar essas segundas, terças, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos de acordar e dormir, em ritmo similar ao operário que mexe nas peças sem saber para onde elas vão. E nessa eterna relutância imposta, vai se esvaziando também o sentido mais profundo das coisas, o significado mais puro das nossas relações. Sobra um vai e vem não pensado (muito menos repensado) das metrópoles, do qual eu não quero fazer parte, pois estar nos processos que nos subjugam é algo, porém entender as forças envolvidas neles é outro. Não desejo uma vida na qual eu não faça às vezes de pseudo filósofo, na qual eu não possa verdadeiramente pensar sobre quem realmente eu sou e sobre aquilo que está no meu entorno. Por isso mesmo a não criatividade me perturba, porque é do “eu criativo” que eu dependo para organizar minha mais pueril explanação.
Logo, esse texto nasce da não ideia, do não pensar. Da falta de um melhor estímulo a cognição, dessa “oficina do diabo” toda que faz parte da minha vida agora, da ausência de temas depois de tantos e tantos assuntos trazidos aqui, e olha que nem faz tanto tempo assim que eu iniciei essa vida de “blogueiro” ou “colunista”. Talvez eu precise de mais tempo para maturar melhor os pensamentos, de algo que me dê mais fé em uma época em que muitas vezes a fé é fake. Só sei que a minha vontade de estar sempre escrevendo é urgente. Prova disso é que o próprio anseio virou pretexto para redigir, nem que sejam os velhos cinco parágrafos, a velha estrutura formal que mais parece de redação escolar, sem ímpetos concretistas ou de haikai. De lápis colorido na mão, quando criança, eu preenchia cadernos inteiros, sonhando em ser escritor, escritor de romance, no sentido literário-editorial do termo. Quiçá um dia eu tenha uma ideia genial para a ficção. Hoje minha criatividade, presa sob quatro paredes, mal dá para despertar meus ascos.
Recomendação Cinematográfica:
Título: Sylvia
Direção: Christine Jeffs
Gênero: Biografia/Drama/Romance
Nacionalidade: ING/IRL
Duração: 95 minutos
Ano: 2003
A história de Sylvia Plath (Gwyneth Paltrow), uma das mais famosas novelistas da literatura norte-americana. Nascida em Boston durante a Grande Depressão, Sylvia ainda jovem tentou cometer suicídio, na casa de sua mãe. Ela viaja à Inglaterra para estudar em Cambridge e lá conhece o jovem poeta Ted Hughes (Daniel Craig), por quem se apaixona e vive um longo romance.
Recomendação de Minissérie:
Título: Maniac
Direção: Cary Fukunaga
Gênero: Humor Negro
Nacionalidade: EUA
Duração: 10 episódios (em torno de 40 minutos cada)
Ano: 2018
Owen (Jonah Hill) é um jovem rico e esquizofrênico. Annie (Emma Stone) tem uma vida conturbada por sérios problemas familiares. Dois estranhos, eles se inscrevem numa bizarra experiência para compreender a mente humana, com o objetivo de terminar qualquer tipo de dor humana, misturando fantasia e realidade.
Recomendação Bibliográfica:
“A Revolução dos Bichos” de Georg Orwell.
Escrito durante a Segunda Guerra Mundial, o clássico retrata uma rebelião e a posterior instauração de um governo de verniz igualitário por parte dos animais de uma fazenda inglesa, anteriormente explorados pelos seres humanos proprietários do local. O que era pra saber um modelo análogo ao comunismo, acaba sendo um império da falácia, do terror e dos privilégios para o grupo de animais mais inteligentes, os porcos, os únicos alfabetizados e os verdadeiros dirigentes de um sistema pretensamente popular. Apesar do emprego para a propaganda anticomunista que a obra acabou recebendo, Orwell era um socialista democrático, crítico atávico da transformação de uma ideologia democrática, solidária e humana em bases para tempos de permanente exceção os quais vigoraram na URSS sob a égide do stalinismo. Uma leitura essencial, há muito na minha lista mas que só concretizei recentemente, e que por meio de analogias históricas evidentes, nos ensina muito sob os perigos da novilíngua e do dirigismo político e econômico intencionalmente irrefletidos, que gera losers e winners.
Recomendação Musical:
Disco “Little Dark Age”, de 2018, da banda de Rock Americano Psicodélico “MGMT”