Em relação ao que é material, poucas coisas possuem tantos simbolismos quanto os muros. Embora o dicionário defina como “obra (geralmente de alvenaria) que separa terrenos contíguos ou que forma cerca”, os muros não se limitam a isso. São os nossos mecanismos de isolamento, de tentativa de proteção e de alienação. São os nossos medos, nossos preconceitos e até aquela sensação de superioridade que pode aparecer em determinado momento da vida.
O assunto é tão rico que despertou a atenção de dois pensadores geniais, cada qual em sua área de atuação: o escritor e filósofo Jean Paul Sartre, famoso por ser um dos pioneiros do pensamento existencialista, e o músico Roger Waters, ex-membro da lendária banda de rock Pink Floyd. Os dois, cada um à sua maneira, trouxeram profundas reflexões sobre o tema, e mostraram que todos nós temos os nossos muros. Alguns deles conseguimos derrubar ao longo da vida, mas outros se tornarão cada vez mais altos e indestrutíveis.
Sartre falou sobre isso em 1939, quando publicou o livro “O Muro”, coletânea de cinco contos que aborda os paradoxos da existência, a angústia, a doença e a morte. Além disso, traz à tona, com melancolia, problemas sociais, como o racismo e preconceitos sexuais. Os muros, para ele, podem ser preconceitos, medos e assuntos considerados convencionalmente como tabus.
Quando Sartre lançou “O Muro”, a Segunda Guerra Mundial estava em seu início. O nazismo já estava fortalecido e uma onda de ódio se espalhava por todo o planeta, gerando inúmeras atrocidades. O que ocorreu neste período foi fundamental para que outro artista voltasse a falar sobre muros, tantos anos depois.
Roger Waters, ex-Pink Floyd, era apenas uma criança quando o seu pai foi para a guerra, e
nunca mais retornou. Essa experiência foi decisiva para que o músico ficasse com diversas
questões atormentando a sua alma e a sua mente por anos. Quando decidiu se concentrar nofato de forma mais intensa, surgiu a ideia de falar sobre muros. Os seus próprios e aqueles que fazem com que injustiças ocorram.
Assim apareceu o “rascunho” do álbum The Wall, lançado pelo Pink Floyd em 1979. Após
explicar o conceito aos demais músicos, a banda começou a trabalhar em conjunto, sob a
liderança de Waters, para que o disco ficasse pronto. O resultado foi um dos trabalhos mais
melancólicos do grupo, apresentando em seu repertório temas como solidão, medos, angústias e até o fracasso na busca de um sentido para a vida.
Ao longo do álbum (que mais tarde virou um filme), um muro é construído e, por fim, colocado abaixo, ressaltando a importância de enfrentar os seus muros, sejam eles a censura, o puritanismo, os anseios ou o desespero.
No final de 2015, foi exibido nos cinemas do mundo todo um documentário musical a respeito de uma viagem de Roger Waters pela Europa, para encontrar um memorial em homenagem ao seu pai.
Intercalando as músicas do show The Wall (na carreira solo de Waters) com trechos de
conversas do músico com amigos e até desconhecidos, o filme mostra com quantos elementos diferentes um muro pode ser construído.
Após o filme, no entanto, durante um bate-papo com Nick Mason, ex-baterista do Pink Floyd, Waters é enfático ao dizer aquilo que todos nós sabemos: ele ainda não conseguiu derrubar todos os seus muros. E provavelmente nós também não conseguiremos. Alguns medos e desesperanças simplesmente não vão embora.