Para Mario Sergio Cortella – professor, educador, palestrante e consultor de empresas –, o fato de várias empresas trabalharem com equipes de muitos funcionários faz com que o trabalho individual se torne “irrelevante”, o que gera insatisfação e sentimento de não ser importante. Isso afeta tanto o ser humano, que o docente afirma com propriedade que a maior infelicidade dos funcionários não é a remuneração, mas sim a falta de reconhecimento. A respeito, Cortella escreveu um livro chamado “Por que fazemos o que fazemos”, publicado pela Editora Planeta, no qual ele explica, entre tantos assuntos, questões como a postura dos millenials, o que é necessário observar nos funcionários e qual é a definição de felicidade – tudo isso para escrever acerca do trabalho.
Cortella alega que os mais jovens (e que possuem uma condição financeira razoável) tendem a ser mais “exigentes” com a profissão que pretendem seguir, visto que possuem a necessidade de fugir daquele conformismo para com um emprego, de se sentirem úteis e importantes no que fazem. O problema é quando esse jovem não está disposto a fazer o que é necessário, mas o que ele gosta. Isso gera neles uma falsa sensação de que “desejos são direitos” e que, portanto, podem ser obtidos pelo esforço. Para inverter essa compreensão deturpada, a família deve ser o primeiro lugar em que a disciplina é aprendida (como pedagogia).
O autor destaca, também, a importância de todos manterem em mente que sempre podem ensinar a alguém (“quem sabe, reparte”) e a necessidade de aprender aquilo que não sabemos sem ter receio constantemente (“quem não sabe, procura”). Além disso, é excelente que o funcionário tenha ambição para ser melhor sempre, evitando a pressa, pois ela é fruto da falta de cuidado, mas visando a velocidade, a qual é consequência da habilidade no que se faz. O comportamento do funcionário modifica a forma da empresa olhar para ele e vice-versa. Por esse motivo, também são necessários alguns movimentos da empresa, como: reconhecimento cotidiano de atividades simples, médias e grandes, e construção de equipes multigeracionais que ganhem potência a fim de gerar um ambiente que oferece energia vital para o ser humano.
Para fechar, ele alerta o leitor acerca do que é felicidade, pois muitos vivem idealizando um futuro feliz e se esquecem de que há o agora. Cortella diz que não é um “lugar” em que se chega, mas sim circunstâncias que geram a felicidade. Ninguém pode ser feliz a todo momento, mas todos podem experimentar a felicidade nos pequenos momentos da vida.
Confira abaixo parte da entrevista de Mario Sérgio Cortella concedida a Época Negócios.
As pessoas não querem mais somente um salário mais alto, querem acreditar que fazem algo importante, autoral. Por que a necessidade de ter propósito ganhou maior relevância? É uma questão geracional?
Ela é mais densa e angustiante na nova geração que enxerga muitas vezes na geração anterior, que a criou, certa estafa em relação ao propósito. É muito comum que jovens e crianças enxerguem hoje nos pais algum cansaço e até tristeza naquilo que fazem. O pai e mãe dizem “eu trabalho para sustentar, esse é meu trabalho”. Há uma grande conformidade. E essa conformidade de certa forma acabou marcando uma nova geração, a millennial, que traz aí a necessidade de ter algum projeto de vida.
Eles não querem repetir um modelo que, embora esforçado, dedicado e valoroso soa, de certa maneira, como conformado. Hoje há uma aflição muito grande na nova geração de maneira que se traduz numa expressão comum: “eu quero fazer alguma coisa que me torne importante e que eu goste”. A geração anterior tinha um pouco essa preocupação, mas deixou um tanto de lado por conta da necessidade.
Com todos esses dilemas e mudanças, a ambição é necessária? Uma pessoa ambiciosa é boa ou perigosa para a empresa?
A pessoa ambiciosa é aquela que quer ser mais e melhor. É diferente de uma pessoa gananciosa, que quer tudo só para si a qualquer custo. Uma parte do apodrecimento que nosso país vive no campo da ética hoje se deve mais à ganância do que à ambição. Eu quero um jovem ambicioso. Eu, Cortella, sou ambicioso. Quero mais e melhor. Mais e melhor conhecimento, mais e melhor saúde. Mas não quero só para mim e a qualquer custo. A ganância é a desordem da ambição. É quando você entra no distúrbio que é eticamente fraturado. Por isso, é necessário que uma parte dos jovens seja ambiciosa. Um ou outro tem sim essa marca da ganância caso ele seja criado em uma família, estrutura, comunidade, na qual a regra seja a pior de todas: “fazemos qualquer negócio”. E essa regra é deletéria, é malévola aos negócios que, embora possam ser feitos, não devem ser feitos.
A ambição é necessária, mas a ganância tem que ser colocada fora do circuito.
E quando você junta ambição e pressa?
Não é algo que traz bons resultados. Uma das coisas boas da vida não é ter pressa, é ser veloz. Se você faz um trabalho apressadamente, você vai ter que fazer de novo. Quando eu vou consultar médico, eu quero velocidade para chegar à consulta, mas eu não quero pressa na consulta. Velocidade resulta de perícia, habilidade, de ser alguém que tem competência no que faz. A pressa resulta da imperícia. Por isso, o desenvolvimento da perícia, habilidade, competência permite que se faça algo velozmente. E se sou veloz, aquilo que resulta da minha ambição pode se transformar no meu êxito. Se sou apenas um apressado, vou ter que lançar mão de trilhas escusas para chegar ao mesmo objetivo – e o nome disso é Lava Jato.
O senhor aponta no livro que o maior descontentamento atual dos funcionários nas empresas não é salarial, mas a falta de reconhecimento. Por que a questão ganhou força nos últimos anos?
Hoje há um anonimato muito forte na produção. Como a gente tem uma estrutura de trabalho em equipe muito grande, o trabalho em equipe quase leva à anulação do reconhecimento do indivíduo. E isso significa que um trabalho em equipe não prescinde da atuação de cada pessoa. É necessário que não se gere anonimato. Eu insisto: reconhecimento não é só pecuniário, financeiro, é autoral. É necessário que a empresa exalte, mostre quem colaborou com aquilo. À medida que você tem reconhecimento, comemoração, celebração, isso dá energia vital para continuar fazendo. Não se entende aquilo como sendo apenas uma tarefa. O reconhecimento ultrapassa a ideia de tarefa. Não sei se seu pai fazia isso, mas chegava em casa com o boletim da escola, altas notas, e ele dizia: “não fez mais que a obrigação” – isto é altamente desestimulador. É preciso reconhecer, dizer que é bacana, comemorar. Aquilo que estimula a continuar naquela rota. Reconhecimento é a principal forma de estímulo que alguém pode ter.
No livro, o senhor também cita a obsessão por “uma tal ideia de felicidade” que acaba levando as pessoas a viverem muito mais a expectativa do que a realização. Por que isto ocorre?
A felicidade não é o lugar onde você chega. A felicidade é uma circunstância que você vivencia no seu dia a dia. Não tem “a felicidade”. Você tem circunstâncias de felicidade, ocasiões, que quando vêm à tona não devem ser deixadas de lado. Ninguém é feliz o tempo todo – isso seria uma forma de idiotia – à medida que a vida tem suas turbulências.
Mas quando ela vier, admita a felicidade. Colocar a felicidade só num ponto futuro, inatingível, isso é muito mais resultante de uma dificuldade de lidar com a questão do que concretamente uma busca efetiva. Por isso, sim, a felicidade é uma desejo porque o mundo tecnológico nos colocou em contato com tantas coisas, mas nos deu uma certa marca de solitariedade, de ficar solitário com relação àquilo que se tem, a uma ausência de contato muito forte.
Tudo é muito virtual e isso acaba gerando desconforto interno, angústia nas pessoas. E a felicidade é um nome que as pessoas dão para superar essa angústia. O que é felicidade para o sr?
É a que eu tenho na minha vivência. Quando percebo uma obra feita, uma aula bem dada, um abraço sincero, afeto verdadeiro, conquista merecedora. São meus momentos de felicidade. Não são um lugar onde desejo chegar.
Confira a entrevista completa em Época Negócios