Se você mata uma barata, é visto como herói. Se você mata uma borboleta, é condenado. Isso revela algo profundo sobre nós: muitas vezes, a moral humana não nasce da justiça, mas de critérios estéticos. É precisamente aqui que reside o grande teatro humano. Nós não julgamos pelo valor real das coisas, mas pelo brilho que elas aparentam ter. O belo é santificado, o feio é condenado. A borboleta é celebrada porque nos agrada, porque se move com graça. A barata é rejeitada porque desperta repulsa. Não é a essência que decide; é a aparência.

O ser humano não aprendeu a amar o que é verdadeiro, mas aquilo que lhe agrada. Chama de bondade tudo o que o conforta e de maldade tudo o que lhe provoca incômodo. Assim, a ética muitas vezes não passa de um reflexo de preferências pessoais, medos íntimos e preocupações sociais. A moral que muitos defendem com tanta convicção, no fundo, pode ser apenas a organização dos gostos coletivos, transformados em regra universal.

Nesse ponto, Nietzsche ajuda a iluminar a questão. Ele afirmava que o que chamamos de “bem” e “mal” não são verdades eternas, mas construções humanas moldadas por interesses, emoções e convenções culturais. Para ele, grande parte da moral nasce mais da necessidade de proteção emocional e de controle social do que da busca pela verdade. Nietzsche falava da “transvaloração de valores”: aquilo que a sociedade consagra como nobre e correto pode ser apenas aquilo que se tornou confortável de acreditar. A moral, muitas vezes, serve menos para revelar a essência e mais para preservar sensibilidades.

Por isso, o mundo vai continuar aplaudindo o que brilha, mesmo que seja vazio, e pisando no que tem valor, se esse valor não vier embalado em beleza. É preciso desconfiar da moral que se apresenta pura demais, porque ela pode ser apenas vaidade cuidadosamente maquiada. A história está cheia de verdades rejeitadas porque não eram agradáveis e de mentiras celebradas porque foram apresentadas de forma bonita. Nietzsche nos convida justamente a desconfiar desse fascínio pelo agradável, por aquilo que conforta em vez de confrontar.

Falar de bem e mal exige cautela. Antes de julgar, é necessário questionar se o julgamento nasce da essência ou apenas da aparência. A verdadeira percepção moral começa quando se rompe com o gosto da maioria e se aprende a enxergar com olhos próprios. O valor não está no que agrada, mas no que permanece verdadeiro mesmo quando não é bonito. Somente quando deixamos de confundir brilho com valor, aparência com essência e conforto com verdade, a moral deixa de ser teatro e começa a se aproximar de autenticidade.