
Eu estava em Lisboa, sozinho, até que, de repente, me perguntei: e se nós fôssemos todos cegos? Mas, ao refletir, percebi que, de certo modo, todos somos cegos. Não cegos de visão, mas cegos da razão, da sensualidade, daquilo que nos impede de agir de maneira mais racional, mais humana. Somos cegos em relação ao que realmente importa: não ser agressivo, egoísta ou violento. Essa cegueira é o que nos molda em um espetáculo que o mundo nos oferece, um mundo desigual e repleto de sofrimento sem justificação.
Não podemos explicar tudo, mas podemos buscar uma compreensão do espaço e do que nos cerca. O que sinto é que nunca vivemos tanto na “caverna de Platão” como agora. As imagens que nos são apresentadas como realidade substituem a verdadeira realidade. Estamos no mundo, mas questionamos a nossa própria percepção do mundo. Vivemos como aqueles aprisionados na caverna, olhando para as sombras na parede e acreditando que elas são a única verdade.
Faz séculos que vivemos assim, mas hoje, pela primeira vez, parece que estamos começando a perceber o que Platão tentou nos ensinar. Estamos finalmente saindo da caverna, ou talvez, ainda estejamos começando esse processo. A cada momento, mais pessoas se tornam conscientes de que as imagens que vemos, seja pela mídia, seja pelas redes sociais, muitas vezes não refletem a verdadeira natureza das coisas.
É como se estivéssemos vivendo em um “parque de diversões” audiovisual, onde os sons e as imagens se multiplicam sem parar. E, no meio de toda essa confusão, acabamos perdendo o contato com o mundo real. Perdemos nossa conexão com nós mesmos e com os outros. Cada vez mais, vemos as relações humanas se fragmentando e nos afastamos da verdadeira compreensão do que é viver de maneira mais profunda e autêntica.
Pessoalmente, busco o equilíbrio e a paz na observação simples da natureza, no crescimento das plantas, nas flores que desabrocham e nos frutos que surgem. Ao observar esse ciclo natural, sinto que me conecto com algo mais profundo, algo que vai além da turbulência do mundo em que vivemos. No fundo, talvez tudo isso seja uma metáfora para a vida humana, um reflexo do nosso próprio processo de crescimento e compreensão.
À medida que a minha vida avança e me aproximo dos 77 anos, percebo que estou mais consciente da finitude do tempo. No entanto, ao mesmo tempo, sinto que há algo mais a ser cultivado dentro de mim. Como as plantas que cuido, minha vida continua a crescer, e esse processo de crescimento nunca chega ao fim. Sinto que, apesar de estar mais próximo do fim da jornada, estou apenas começando a entender o que realmente importa.
Transcrição e adaptação feita pelo Provocações Filosóficas do vídeo no YouTube: José Saramago – o Mito da Caverna nos dias de hoje
Veja o vídeo:






















