É recorrente a ideia de que o brasileiro sofre da chamada síndrome de vira-lata, a crença de que tudo o que vem de fora é melhor e que tudo o que é brasileiro é automaticamente inferior. Esse pensamento, embora nocivo, acabou gerando um movimento contrário ainda mais distorcido. Para tentar combater essa suposta inferioridade, parte da mídia, dos influenciadores, dos artistas e do próprio aparato estatal passou a empurrar à força a ideia de que certos aspectos da cultura brasileira são melhores do que realmente são. É uma tentativa desesperada de fazer o brasileiro acreditar que vive rodeado de grandeza cultural, mesmo quando a realidade do dia a dia grita exatamente o oposto. Quando algo precisa ser forçado para parecer bom, é porque não é bom.

Ao ligar a televisão, abrir um jornal ou acessar qualquer canal ligado ao mainstream, encontramos uma supervalorização artificial da cultura nacional. A música, os costumes, o comportamento social, tudo é apresentado como se estivéssemos vivendo uma era de ouro. Qualquer voz que diverge disso é rapidamente silenciada, ridicularizada ou acusada de sofrer de síndrome de vira-lata. A tática é clara. Se não se pode elevar a qualidade de vida real do brasileiro, então cria-se uma maquiagem emocional e narrativa para que ele aceite sua condição como se fosse um privilégio.

Um dos exemplos mais gritantes é a romantização das favelas. De alguns anos para cá, houve uma glamorização absurda da pobreza. Hoje falar mal da favela é quase crime. A violência, a ausência de saneamento básico, a impotência da população frente ao crime organizado e a falta completa de serviços essenciais são substituídas por uma narrativa infantilizada de comunidade acolhedora, onde todos vivem em harmonia, trocam favores e representam o auge da cultura brasileira. É preciso uma coragem absurda para acreditar nessa mentira. Quem mora lá sabe. Quem visita sabe. Quem escuta sabe. A favela não é um jardim cultural. É um território abandonado, dominado pelo crime, onde ambulância não entra, a polícia só chega para confrontos e onde energia, água, gás e internet são controlados por um Estado paralelo. Ainda assim, a mídia insiste em servir essa fantasia como se fosse um conto de fadas tropical.

E a hipocrisia maior vem daqueles que pregam esse discurso. Artistas, políticos, influenciadores e formadores de opinião que defendem a favela como símbolo máximo da cultura brasileira moram em condomínios de luxo, em bairros nobres ou em outro país. Muitos fogem justamente de tudo aquilo que dizem ser belo aqui. E de lá, de longe, tentam convencer o cidadão brasileiro de que a realidade dele é boa, que é rica, que é vibrante, que deve ser valorizada. É fácil defender a romantização da miséria quando não se vive nela. É fácil chamar violência de cultura quando se observa do conforto de outro continente.

Essa manipulação também atinge a música. Hoje somos obrigados a ouvir, mesmo sem querer, músicas que exaltam violência, sexo explícito, drogas e criminalidade. E isso é vendido como se fosse o auge da identidade cultural do país. Questionar isso é quase uma heresia. Mas é evidente que esse tipo de produção musical cumpre um papel muito específico. Não é representatividade. É emburrecimento. É um mecanismo para alimentar a passividade do povo, mantendo-o preso ao raso, ao vulgar, ao barulho que impede qualquer reflexão. É um incentivo permanente ao comportamento infantil, desregrado e ao afastamento das mínimas noções de ética e responsabilidade social.

O sistema quer exatamente isso. Quer o brasileiro distraído, anestesiado e calado. Quanto menos questionamento, melhor. Quanto menos pensamento crítico, mais fácil empurrar narrativas prontas. O problema é que a realidade não se dobra à propaganda. O brasileiro vive sob violência constante, corrupção sistêmica, impostos sufocantes, serviços públicos falidos e um descrédito profundo em qualquer instituição. Não adianta mudar o nome das coisas. A favela continua sendo favela, não importa quantas vezes tentem chamá-la de comunidade. A pobreza continua sendo pobreza, não importa quantos documentários tentem vendê-la como poesia urbana. A cultura degradada continua sendo degradada, mesmo que a mídia finja que é patrimônio nacional.

O que sobra para o brasileiro é aceitar em silêncio. Receber governantes dizendo para ter calma, jornalistas afirmando que tudo está melhorando e influenciadores repetindo que é só acreditar. Mas esse silêncio cobra caro. Cada dia que passa, o brasileiro perde voz, perde direitos, perde dignidade. A distância entre a vida real e a vida idealizada pela mídia é grotesca. É como um mordomo impecavelmente vestido trazendo fezes pintadas de ouro numa bandeja de prata e dizendo para você comer sorrindo. Se recusar, é atacado. Se questionar, é punido. Se falar a verdade, é descartado.

O que querem é que o brasileiro aceite essa obra malfeita como se fosse arte. Que agradeça pelo caos. Que chame decadência de cultura. Que chame abandono de acolhimento. Que chame violência de identidade. Mas a mentira tem limite. E a realidade, por mais abafada que seja, continua esmagando quem vive nela.