“Somos capazes de comprar um apartamento de um milhão, mas se o pintor cobrar cinco mil para pintar esse apartamento de um milhão nós achamos um absurdo”.

“Eu particularmente tento desesperadamente fazer o melhor que eu possa com o meu dinheiro. Não é fácil, porque também a pobreza é um saco tão fundo que até outro dia eu pensei: Meu Deus, não há dinheiro que você dê a uma pessoa que tenha nascido na pobreza extrema, que livre ela da pobreza. 

Porque a pobreza extrema, ela cria tantas sequelas emocionais e psicológicas, que não é bem apenas o dinheiro que tira uma pessoa daquela indigência existencial, é mais complicado.

Eu achava que era só o dinheiro, porque contando isso, já me aconteceu de pagar muito bem a pessoas, que aquele dinheiro afogou a pessoa, a pessoa não soube enriquecer um pouco. A pessoa se perdeu, se confundiu, sobe a cabeça e tal. 

Isso não me faz voltar atrás e deixar de pagar as pessoas do melhor que eu posso, mas me fez compreender, que não é apenas o dinheiro que construirá uma cidadania plena, é mais que o dinheiro. 

É também o respeito, é uma confirmação do universo cultural do qual a pessoa vem, não menosprezar as informações culturais que a pessoa traz para você. Não achar que uma pessoa no Brasil se elevar, é ela se tornar culta, entendeu? Como nós chamamos aí.

Então, vamos dar universidades para todos? Claro que temos que dar universidades para todos. Mas um pedreiro é um homem que detém um saber de enorme valor, é valorizar o saber que aquele homem detém, um bom pintor de parede sabe fazer coisas que tem um enorme valor, um enorme valor econômico. 

É dar valor econômico no fundo ao trabalho, na minha opinião, no Brasil e no mundo, não se dá valor econômico ao trabalho, se dá valor econômico ao bem, às coisas. 

A gente é capaz de pagar, meu amigo, um milhão de reais por um apartamento, e você chama um homem para pintar o teu apartamento de um milhão de reais, ele te cobra cinco mil e você acha um absurdo.

Então a coisa a gente paga, a pessoa, o trabalho, a gente não paga. Isso na minha opinião, vem da formação do nosso país que foi fundado pelo genocídio dos índios e pela escravidão. 

Então, um país que viveu trezentos e tantos anos com a escravidão, com o trabalho escravo, ele tem uma enorme dificuldade cultural de aceitar o valor do trabalho.”

Transcrição adaptada pelo Provocações Filosóficas do trecho da participação de Pedro Cardoso ao programa: Espelho – Canal Brasil.

Confira na integra:

Pedro Cardoso  é um ator, redator, roteirista, autor, escritor e humorista brasileiro, célebre por seu papel como Agostinho Carrara no seriado da Rede Globo de Televisão A Grande Família.